Pular para o conteúdo

Mais medo da Inteligência Humana do que Inteligência Artificial em ‘Ex Machina’

Publicado na NPR

Diferentemente da maioria dos filmes sobre Inteligência Artificial, Ex Machina não se trata sobre medo tecnológico. “O medo neste filme é muito mais voltado para os seres humanos”, diz o diretor Alex Garland. Em suas palavras, “foi mais em defesa da inteligência artificial”.

Garland abordou o apocalipse zumbi como o escritor por trás do filme Extermínio (28 Days Later, no título original). Em Ex Machina – seu primeiro filme como diretor – ele nos apresenta Ava, uma criação que é parte mulher e parte máquina e não há nenhum segredo de que Ava é uma máquina – mas muito, muito inteligente.

“É quase como uma espécie de teste pós-Turing”, diz Garland, referindo-se ao teste em que um ser humano pode ou não identificar se ele está interagindo com uma máquina. Tradicionalmente, o teste de Turing era cego: “A máquina estaria no outro lado de uma porta fechada (…) e haveria um grupo de controle, se o ser humano fosse levado a acreditar que ele estava interagindo com outro ser humano, em vez de uma máquina, então o teste é aprovado”.

No teste em Ex Machina, porém, é diferente. “A máquina é apresentada claramente como uma máquina”, Garland explica. “Não há nenhuma tentativa de esconder que poderia ser uma máquina. E é realmente apenas um teste para ver se a máquina tem senciência ou uma consciência como a humana”.

Ex Machina levanta questões sobre como nós definimos consciência e como nossos instintos sobre consciência pode nos enganar. E também reformula como que o rosto da inteligência artificial poderia parecer. Garland explica que ele usou design de som no filme para dar uma característica “recém-nascida” para a personagem. É “a intenção de apresentar a máquina Ava como tendo um tipo de inocência, uma espécie impecável, uma aparência sublime”, diz ele.

Destaques da entrevista

A forma máquina de Ava não é escondida

Filmes anteriores de Alex Garland são 28 Days Later, Sunshine, 28 Weeks Later, Never Let Me Go and Dredd. Ex Machina é sua estreia na direção.
Os filmes anteriores de Alex Garland são 28 Days Later, Sunshine, 28 Weeks Later, Never Let Me Go and Dredd. Ex Machina é sua estreia na direção.

O truque do filme, a maneira em que o filme pretende trabalhar, é apresentar algo que é sem sombras de dúvidas uma máquina e, em seguida, remover gradualmente o sentido de Ava ser uma máquina, mesmo quando você continua a vê-la como sendo uma. E o design de som é parte fundamental disso. Você pode ouvir (…) os sons das partes mecânicas em movimento, que não são especificados. Não são um monte de engrenagens, torques e pistões, são algo um pouco mais estranho do que isso. E há também uma mania que não é diferente em alguns aspectos de um piscar de olhos, embora não seja um piscar de olhos.

Assim, na primeira vez que ela aparece, não há nenhuma dúvida sobre seu status de máquina. Grandes partes de seu corpo são transparentes e você pode ver através deles. (…) Envolta da seção do tronco há uma malha muito, muito leve que segue os contornos da sua forma humana. Esperamos que isto comece a nos introduzir a aspectos mais humanos dela em uma espécie de representação física ou um visual. E eles estão todos designados para dar um sentido de vida, mas um sentido de vida que é, de alguma forma, diferente.

Nathan é um ‘tecno-bilionário’ que desafia o estereótipo de “vilão geeky”

Ele é arrogante, essencialmente em virtude do fato de que ele é incrivelmente inteligente e poderoso. E no mundo você encontra pessoas assim. Eles realmente são bem inteligentes, esses caras são realmente espertos e você só precisa aceitar o tipo, entende? (…)

Ele também está jogando uma espécie de metagame¹ o tempo todo. (…) Você está vendo o que este cara realmente gosta? Ou você está vendo uma impressão que ele está dando de si mesmo de uma maneira esperta (…) a fim de se parecer predatório, misógino, fisicamente intimidador, ameaçador?

Esse cara é arrogante e poderoso e, provavelmente, digamos, ciente sobre essa imagem geeky. (…) E se você notar esses caras, muitas vezes eles são do tipo que lutam contra isso. Parece que eles gastam muito tempo no ginásio, eles são um tipo excêntrico e eles estão adotando personalidade alfa, eu acho, coisa que eles não costumavam ter.

Sobre a forma como ele se interessou por inteligência artificial

Eu apenas fiquei muito interessado na área de inteligência artificial e, em particular, como ela se relaciona com a consciência humana, porque é o que valorizamos uns nos outros. É primeiramente sobre nossas mentes, você sabe, é com isso que nós interagimos e é o que nós respeitamos nos outros. (…) Eu podia ver que havia muito receio pairando sobre Inteligências Artificiais. E eu queria abordar isso, em parte, porque eu sabia que era equivocado. (…)

Muito deste receio não vem de nenhuma situação real de que inteligências artificiais estão prestes a nos dominar ou o que o mundo está prestes a mudar por causa das IA’s de qualquer maneira fundamental – não no momento, de qualquer modo. Tem mais a ver com as grandes empresas de tecnologia e internet, com os motores de busca, com as mídias sociais e esse tipo de coisa. Eu acho que há um sentido em como nós nos sentimos ao fato de que não entendemos como nossos telefones celulares e notebooks funcionam, (…) mas essas coisas parecem saber muito sobre nós. Isso não é realmente sobre a inteligência artificial, é sobre a paranoia tecnológica. Então, de alguma forma, eu acho que eu estou tentando olhar pra isso também.

Mas acho que outra coisa que eu estava interessado era a forma como as empresas de tecnologia se apresentam. O personagem de Oscar Isaac, Nathan, fala de uma maneira muito familiar, amigável. Ele usa muito as palavras “cara” e “bro”. E eu senti que esta era, por vezes, a forma como empresas de tecnologia se apresentam para nós. Elas agem como nossas amigas. Eles dizem: “Ei amigo, hey cara”, como se fôssemos companheiros, você sabe, “na verdade eu não sou dono de uma grande empresa de tecnologia, eu sou mesmo seu amigo, nós estamos saindo para um bar ou para uma praia e somos como uma parte do estilo de vida de cada um, mas, ao mesmo tempo, eu vou tomar um monte de dinheiro de você e eu vou levar todos os seus dados e te roubar através de sua agenda” e esse tipo de coisa.


¹Metagame
é o mais alto nível de estratégia em muitos jogos complexos; refere-se a qualquer aspecto da estratégia que envolve pensar sobre o que o outro participante está pensando que você está pensando. Metagame entra em ação em qualquer jogo em que nenhuma estratégia é dominante e lados opostos estão cientes de múltiplas estratégias que podem sucesso dependendo de ações dos oponentes. Para realizar ao mais alto nível, torna-se então necessário pensar sobre o que o seu adversário pensa que você vai fazer (o que pode depender do que ele pensa que você acha que ele acha que ele vai fazer, etc.) e tomar decisões com base em pistas sobre que nível eles estão pensando sobre.

Artigos recomendados:
Por que não devemos temer a Inteligência Artificial?
O medo estúpido da inteligência artificial

Euclécio J. R.

Euclécio J. R.

Engenheiro de software na Codenation