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Filosofia da Ciência, Cientificismo e Psicologia: Universo Racionalista entrevista Mario Bunge

Mario Bunge é um físico, filósofo e humanista argentino. Acima de tudo, é um filósofo realista, cientificista, materialista e sistemista, defensor do realismo científico e da filosofia exata. Bunge é conhecido por expressar publicamente sua postura contrária às pseudociências, que incluem a psicanálise, a praxeologia, a homeopatia, a microeconomia neoclássica, entre outras. Além de ser um crítico de algumas correntes filosóficas, como o existencialismo, a fenomenologia, o pós-modernismo e a hermenêutica.

Abaixo, segue a entrevista exclusiva concedida por Mario Bunge ao Universo Racionalista. Esperamos que apreciem:

DOUGLAS RODRIGUES – Qual é a importância da filosofia para a ciência?

MARIO BUNGE – Todo projeto de investigação científica pressupõe teses filosóficas, como a realidade e a cognoscibilidade do mundo exterior, a existência de leis universais e a consequente impossibilidade de milagres, a inexistência de almas ou espíritos desencarnados, e a interação de todas as coisas materiais com outras coisas.

DOUGLAS RODRIGUES – O que pode ser feito nas escolas e universidades para estimular o pensamento científico?

MARIO BUNGE – Analisar criticamente tanto as superstições populares como as pseudociências, em particular a psicanálise, a parapsicologia e a teoria econômica padrão.

DOUGLAS RODRIGUES – Em Humanidades, cientistas sociais e alunos de graduação costumam negligenciar o valor das ciências biológicas para compreender certos aspectos do comportamento humano na sociedade. Por quê?

MARIO BUNGE – Porque ainda persiste a tese idealista, de que todo o humano é espiritual e, portanto, “estudável” pelas chamadas ciências do espírito. O humano é biológico mas também social, de modo que não pode explicar-se exclusivamente em termos biológicos. Por exemplo, as agressões militares não são por razões biológicas, mas por ganância de bens tais como a terra e o petróleo.

DOUGLAS RODRIGUES – Na América Latina, a psicanálise praticamente domina todos os departamentos de psicologia. Qualquer crítica à psicanálise é o suficiente para que algumas pessoas façam afirmações de que o crítico está sendo positivista ou reducionista. O que o senhor pensa sobre isso?

MARIO BUNGE – A psicanálise é o mito daqueles que ignoram a psicologia científica e pretendem explicar tudo com um par de mitos, como o complexo de Édipo e a repressão sexual. Na Europa e nos Estados Unidos, a psicanálise é ensinada nos cursos de história (ou pré-história) da psicologia. As revistas científicas não publicam fantasias, mas trabalhos científicos como os que estudam processos cerebrais como a percepção, a emoção e a imaginação. Assim, a experiência exige mais conhecimento e disciplina do que fantasias.

DOUGLAS RODRIGUES – Há uma discussão recente sobre os supostos problemas do cientificismo. O senhor acredita que é possível estudar cientificamente os problemas morais, éticos e políticos?

MARIO BUNGE – Todos os aspectos da realidade podem ser estudados cientificamente. Por exemplo, as ciências sociais e biossociais mostram que a desigualdade é prejudicial, que a liberdade só é possível entre iguais, e que a violência provoca mais violência.

DOUGLAS RODRIGUES – Em que o senhor se embasa para afirmar que a psicologia evolutiva é uma pseudociência? O conceito de protociência não se ajustaria melhor?

MARIO BUNGE – A psicologia evolutiva pode ser protociência ou pseudociência. A popular é uma pilha de fantasias, algumas falsas e outras incomprováveis. Por exemplo, é falso que as desigualdades sociais sejam determinadas pelo genoma, que todos somos basicamente egoístas e que temos deixado de evoluir por uns 40.000 anos, de modo que somos “fósseis andantes”, que sentimos, pensamos e agimos como se estivéssemos defendendo-nos de leopardos. Veja “Evoluti e Abbandonati”, de Telmo Pievani, publicado em 2014.

DOUGLAS RODRIGUES – Com base nas suas próprias afirmações de que não há nenhuma atividade humana que não contenha problemas e pressupostos filosóficos de fundo e considerando-se como verdadeiro que a divulgação científica é uma atividade humana, poderia ser concebível uma filosofia da divulgação científica como um novo ramo da epistemologia?

MARIO BUNGE – Não, porque o divulgador científico aprende e ensina, mas não investiga. A divulgação científica é estudada por sociólogos da cultura, ou seja, as mesmas pessoas que estudam as religiões, a comercialização da ciência e a censura eclesiástica e política.

DOUGLAS RODRIGUES – Em uma entrevista, lembro que o senhor foi perguntado sobre o quão ruim é a pós-modernidade e respondeu que pior que ela é o “escapismo filosófico”, os filósofos que falam de “mundos possíveis”. O senhor poderia explicar por que certos filósofos do campo da lógica após o neopositivismo parecem até endossar teses pós-modernas?

MARIO BUNGE – Porque eles têm medo do mundo real e porque querem usar a lógica modal ou da possibilidade, que é inútil.

DOUGLAS RODRIGUES – Em uma entrevista a Raúl Serroni-Copello, em 1989, o senhor afirmou ter chegado a uma posição intermediária quanto aos behavioristas. Hoje, levando-se em consideração o desenvolvimento filosófico e científico das pesquisas e práticas de orientação behaviorista radical, quais seriam, na sua opinião, os acertos e erros do Behaviorismo Radical e sua prática, a Análise do Comportamento? O senhor julgaria que atualmente o Behaviorismo Radical faz parte do problema ou da solução em Psicologia?

MARIO BUNGE – O behaviorismo teve o grande mérito de promover o estudo experimental do comportamento animal, como foi o caso das pombas supersticiosas estudadas por Skinner. Mas teve o demérito de ignorar que o comportamento observável é gerado no cérebro, e que ele funciona na ausência de estímulos, como mostrou o experimento de Hebb sobre a privação sensorial.

DOUGLAS RODRIGUES – Por último, que dica o senhor daria para o estudante que deseja iniciar a sua carreira na filosofia?

MARIO BUNGE – Recomendaria-lhe que dê prioridade aos problemas, não aos autores; que, para tratar de problemas filosóficos, se informe sobre o que podem contribuir a matemática e as ciências da realidade; e que escreva ensaios e os discuta com companheiros de estudo e com amigos. O pensador solitário perde a capacidade de comunicar-se e acaba louco como Husserl, o inventor da fenomenologia ou egologia.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.