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Quão mortal seria uma erupção de raios gama próxima?

Apesar da desgraça e melancolia óbvia associada à extinções em massa, elas têm uma tendência de capturar nossa imaginação. Afinal, o súbito desaparecimento dos dinossauros, presumivelmente devido a um asteroide, é uma história demasiado fascinante.

Mas nem todas as extinções em massa são tão dramáticas e nem todas têm um culpado facilmente identificado. A extinção do Ordoviciano – uma das “cinco grandes” da história da Terra – ocorreu cerca de 450 milhões de anos atrás, quando a população de espécies marinhas despencou. A evidência sugere que isso ocorreu durante uma era do gelo, e uma explosão de raios gama é um dos vários mecanismos possíveis que podem ter desencadeado este evento de extinção.

Erupções ou explosões de raios gama (Gamma Ray Burst – GRBs) são as mais brilhantes explosões eletromagnéticas conhecidas no universo, e podem se originar a partir do colapso dos tipos mais maciços de estrelas, como estrelas de quark e buracos negros, ou a partir a colisão de duas estrelas de nêutrons. Supernovas ou Hipernovas são explosões estelares que também podem enviar radiação nociva em direção à Terra. Ambas, GRBs e supernovas, são normalmente observadas em galáxias distantes, mas podem representar uma ameaça se ocorrerem mais perto de casa, onde elas podem tirar a atmosfera superior da Terra e deixar a camada de ozônio protetora exposta à radiação ultravioleta do Sol e, consequentemente, extinguir algumas formas de vida.

Um novo estudo, intitulado “Ground-Level Ozone Following Astrophysical Ionizing Radiation Events – An Additional Biological Hazard?” ou “Aumento da Camada de Ozônio Seguido de Eventos Astrofísicos de Radiação Ionizante – Um Risco Biológico Adicional?” publicado na revista Astrobiology estudou as ramificações de uma GRB nas proximidades ou supernovas e seus efeitos na vida. A pesquisa foi financiada pelo Exobiology and Evolutionary Biology do Programa de Astrobiologia da NASA.

Menos ozônio lá, mais ozônio aqui

Normalmente, a camada de ozônio na atmosfera superior protege a superfície da Terra da luz ultravioleta prejudicial. Mas uma GRB ou supernova rapidamente eviscerou essa camada. Os raios UV penetrariam na superfície do planeta e quebrariam as moléculas de oxigênio que, por sua vez, formariam moléculas de ozônio na troposfera, de acordo com o astrofísico da Universidade Washburn Brian Thomas. Vemos esse tipo de ozônio em dias poluídos quentes quando os alertas de poluição atmosférica nos avisam para ficar dentro de casa por motivos de saúde. Mas será que o ozônio ao nível do solo criou-se depois de um GRB representar uma ameaça biológica a longo prazo? Thomas e seu colega Byron Goracke investigaram a gravidade deste ozônio troposférico e os seus efeitos potenciais sobre a vida utilizando um modelo atmosférico para simular um caso particular de um GRB ocorrendo sobre o Pólo Sul.

“A GRB poderia acontecer em qualquer latitude ou tempo, mas nós escolhemos o Pólo Sul, principalmente, olhando para um caso muito alto de esgotamento de ozônio”, explica Thomas. “Quando a radiação entra na atmosfera ao longo de um pólo, o esgotamento fica concentrado lá (na camada de ozônio) em vez de se propagar para todo o mundo.”

A vida marinha do Ordoviciano foi vítima de uma extinção em massa, a causa poderia ter sido uma explosão de raios gama. Crédito: William BS Berry

Isto ocorre pois a radiação produz alterações químicas na atmosfera do meio, e o transporte da atmosfera a partir desta região acontece principalmente nos pólos, tornando o efeito da GBG mais extremo neste local. Uma explosão no Pólo Sul se encaixa com teorias da extinção do Ordoviciano porque as taxas de extinção medida coincide com os modelos que prediz danos biológicos dependentes de latitude.

Thomas e sua equipe de pesquisadores usaram modelos de computador para determinar que a quantidade de ozônio presente na atmosfera inferior na sequência de um GRB que concentrou-se no Pólo Sul é de cerca de 10 partes por bilhão (ppb) e esta quantidade varia com as estações do ano. No entanto, é preciso pelo menos 30 ppb de ozônio para aumentar o risco de morte por insuficiência respiratória em humanos. O ozônio troposférico também pode danificar as plantas, reduzindo a produção de clorofila ou matando as células diretamente, mas mais uma vez é necessário que haja pelo menos 30 ppb na atmosfera antes do ozônio tornar-se um risco para a vegetação.

O ozônio também é solúvel em água, o que é particularmente relevante para a extinção em massa do Ordoviciano, uma vez que a maioria da vida na época era marinha. Se todos as 10 ppb de ozônio geradas por um GRB ficarem dissolvidas nos oceanos, ainda seria um impacto muito menor sobre algumas bactérias e larvas de peixes, e não teria desempenhado um papel na extinção em massa do Ordoviciano. Está bastante claro, portanto, que um evento de GRB em si não causa o tipo de elevação do ozônio ao nível do solo, que é mortal para a vida.

A camada de ozônio e os blocos de radiação UV prejudiciais atingindo a superfície da Terra. A explosão de raios gama empobrecem a camada de ozônio, permitindo que a radiação UV atravesse. Crédito: NASA

No entanto, esse resultado negativo ainda é vital para compreender o que iria ou não acontecer na atmosfera da Terra e seus habitantes após a energia de uma GRB ou supernova atingir nosso planeta. A GRB destruiria a camada de ozônio na atmosfera superior, permitindo que a radiação UV prejudicial chegue ao solo e, assim, causar consequências desastrosas para a vida. No entanto, o ozônio ao nível do solo causado pelo GRB não seria um perigo adicional para a vida.

Entender o que ocasiona as extinções em massa também é importante para a busca de vida no Universo. Descobrir um planeta que preenche todos os requisitos para a habitabilidade pode soar promissor, mas talvez menos se uma GRB ou supernova ocorrer recentemente nas proximidades. A busca de vida também precisa considerar a possibilidade de que qualquer forma de vida que teria existido em um planeta distante poderia já estar extinta.

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Felipe Sérvulo

Felipe Sérvulo

Graduado em Física pela UEPB. Mestre em física com ênfase em Cosmologia pela UFCG. Possui experiência na área de divulgação científica com ênfase em astronomia, astrofísica, etnoastronomia, astrobiologia, cosmologia, biologia evolutiva e história da ciência. Possui experiência na área de docência informática, física, química e matemática, com ênfase em desenvolvimento de websites e design gráfico. Artista plástico. Fundador do Projeto Mistérios do Universo, colaborador, editor, tradutor e colaborador da Sociedade Científica e do Universo Racionalista. Membro da Associação Paraibana de Astronomia. Pai, nerd, geek, colecionador, aficionado pela arte, pela astronomia e pelo Universo. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/8938378819014229