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Psicologia evolutiva: ciência ou pseudociência?

O campo da psicologia evolutiva está velho há décadas. Na verdade, achamos que a abordagem geral da psicologia evolutiva constitui uma pseudociência.

Uma típica prova de “paradigma” na psicologia evolutiva pode ser a seguinte (texto construído por nós):

Devido a estocagem de alimentos ter aumentado as chances de sobrevivência em tempos difíceis, os nossos antepassados do Pleistoceno devem ter desenvolvido por seleção natural, uma tendência de adaptação para estocar alimentos. Já que a era moderna está muito próxima do Pleistoceno para qualquer substancial evolução biológica ter ocorrido, o comportamento moderno deve ter fortes componentes adaptativos do Pleistoceno. Uma suposição é que a universalidade de um comportamento constitui uma evidência de uma adaptação biologicamente evoluída. Uma pesquisa atual de 10.000 famílias em 50 estados mostra que, em média, quando economicamente possível, as pessoas tendem a armazenar o excesso de alimentos em armários de cozinha. A hipótese da evolução deste comportamento adaptativo por seleção natural é, portanto, considerada confirmada.

Problemas: Nós conhecemos o suficiente sobre o comportamento do Pleistoceno para dizer que um levantamento do comportamento atual confirma algo sobre qualquer esquema evolutivo do Pleistoceno? As conclusões aqui já estão implícitas nas premissas? A universalidade é um padrão de comportamento ou uma evidência de adaptação evolutiva biológica? Isto é ciência ou retórica?

Além de perguntas sobre “confirmação”, como este jogo é jogado? Aparentemente, a primeira coisa é fazer um pequeno levantamento-piloto de talvez 100 famílias. Se obtemos resultados que contradizem a hipótese, coloca-se a hipótese em uma gaveta para “estudos futuros” e passa-se para outra proposta de comportamento adaptativo evoluído do Pleistoceno, ou procura-se por “falhas” nos detalhes da amostra da pesquisa ou coleta de dados e repete-se o estudo. A probabilidade é alta de tal forma que, eventualmente, alguma pesquisa comportamental será feita de modo que “confirme” algum esquema de adaptação evolutiva do Pleistoceno. Um estudo muito maior é então projetado e esperançosamente financiado, e o resultado geral é que os defensores da abordagem teórica da psicologia evolutiva tenderão a publicar trabalhos de investigação que apoiem suas hipóteses formuladas, e tendem a não publicar trabalhos de pesquisa que contradizem o determinismo biológico de padrões particulares de comportamento.

Outra abordagem ainda mais notória, é a de fazer primeiramente um levantamento piloto, obter uma pequena amostra de determinação de universalidade de algum comportamento atual, chamá-la de “adaptação” evolutiva, inventar uma história do Pleistoceno que explica por que o comportamento poderia evoluir por seleção natural, e em seguida, fazer um estudo de amostra maior para “confirmar” a hipótese evolutiva.

Tal como esperado, em um número de campus nos Estados Unidos, pelotões de estudantes doutorados em psicologia evolutiva estão ocupados construindo histórias de adaptação evolutiva do comportamento humano como um prelúdio para projetar suas teses de levantamentos piloto. Ou talvez em alguns casos, alguma tese de levantamento piloto para identificar a presença de um padrão universal de comportamento que vem em primeiro lugar, e a história de adaptação evolucionária vindo em seguida.

Um comentário habitual é enfatizar o valor heurístico da abordagem científica em geral, ou seja, a abordagem pelo menos produz uma nova pesquisa. Mas isso é suficiente? Durante o período de 50 anos entre 1920-1970, um paradigma semelhante de pesquisa produziu milhares de estudos “derivados” da teoria psicanalítica em psicologia, o número de tais estudos encolhendo para uma corrente só após a teoria psicanalítica saiu de moda. Sim, essas abordagens heurísticas produzem novas pesquisas e mantêm as pessoas ocupadas e no salário. A questão é, após que a moda passa e a areia é peneirada, resta-nos algum novo conhecimento substantivo e duradouro?

Vários proponentes da psicologia evolutiva falam em hipóteses “derivadas” da teoria darwinista. Mas realmente não há derivações em qualquer sentido rigoroso, apenas especulações sugeridas pelo que são muitas vezes, simplistas ideias darwinistas.

O problema científico aqui é que a nossa capacidade de inventar uma especulação sobre o comportamento dos seres humanos do Pleistoceno, que pode ser alegado como coerente com o determinismo biológico, não é evidência tanto de comportamento do Pleistoceno como de determinismo biológico; mas é evidência única de nossas habilidades criativas para inventar tais especulações. E estudos de atuais comportamentos humanos que são supostamente, extensões de comportamento do Pleistoceno, não adicionam nenhuma substância para o mix de especulações. Já que a ideia de que qualquer comportamento atual seja uma extensão do comportamento do Pleistoceno, é também uma especulação. Em suma, a psicologia evolutiva não é ainda uma ciência “soft”, é uma pseudociência que perdura como uma moda.

A oferta principal da psicologia evolutiva consiste meramente de argumentos que são plausivelmente consistentes com o darwinismo elementar, juntamente com especulações simplistas sobre adaptações do Pleistoceno. Não é o suficiente. E o balido de que o comportamento humano é complexo não oferece nenhum remédio para uma pseudociência da psicologia humana.

A ideia de que as ciências sociais podem vir a beneficiar de uma atenção maior para a biologia humana é valiosa e deve ser definitivamente encorajada, especialmente na formação de cientistas sociais. Se alguns ou todos os aspectos do comportamento humano resultem ou não da evolução por seleção natural (em oposição a consequências culturais ou alguma combinação das duas fontes de variáveis), ainda é uma questão em aberto não tratada adequadamente por qualquer abordagem científica rigorosa. Certamente, as aplicações de qualquer “resultado” atual da psicologia evolutiva para a formulação de políticas públicas, são atualmente injustificadas e potencialmente perigosas para a sociedade.

Além de gerar progresso tecnológico e público, a ciência sempre foi uma fonte de confusões públicas. De um enclave acadêmico ou outro, balões cheios de gás são enviados para serem capturados pela mídia, que por sua vez, faz um trabalho maravilhoso de confundir o público. É lamentável que, atualmente nas ciências sociais, a psicologia evolutiva seja a principal fonte de confusões sobre as ligações entre a evolução biológica e comportamento humano.

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Adendo (12.04.05):

A psicologia evolutiva foi vigorosamente criticada por outros ao longo dos anos, e as ideias acima não são nada novas. O que motivou este editorial foi algumas consultas de leitores sobre as origens do comportamento humano, e um desejo de esclarecer nossos pontos de vista.

Dan Agin. ScienceWeek dpa@scienceweek.com

Fonte: http://scienceweek.com/editorials.htm#051203

Traduzido por: Glauber Frota

Comentários do postador:

Definitivamente, a Psicologia Evolutiva não tem qualquer chance de se tornar uma ciência sólida. Assim como muitas pseudociências adquirem um caráter “comercial” e sem qualquer vínculo com o rigor científico, a PE tem muitas características evidentes de pseudociência tais como crenças isoladas e relativas a cultura, onde um exemplo é o de comportamentos “herdados” ou estereotipados – porém nunca evidenciados cientificamente no genoma -, através dos “genes” responsáveis pelo gosto por futebol, coca-cola, “genes egoístas” e afins; vieses cognitivos, epistemologias “ad hoc” (caso queiram mais informações, procurem no google sobre a falácia ad hoc) e até mesmo, envolvimentos com ideologias políticas de cunho reacionário. Há o curioso caso de um psicólogo evolutivo norte-americano (Kevin B. MacDonald) que ficou conhecido por ligar “estereótipos” de judeus a um suposto “grupo de estratégias evolutivas” que os possibilitaria desenvolver políticas em oposição à cultura dominante. Por isto, seu trabalho (jamais provado ou sequer posto cientificamente à prova) ficou ligado a grupos de supremacistas brancos e MacDonald até filiou-se a um partido político chamado “American Third Position Party”, que é atualmente conhecido como “American Freedom Party”. Trata-se de um partido de extrema-direita defensor da dita “supremacia branca”.

O caso MacDonald pode ser acompanhado com mais detalhes, aqui ou aqui

Toda pseudociência despreza a cultura e não a enriquece. E está sempre envolta a crenças enviesadas cognitivamente, que não possuem qualquer substancialidade científica. Chegando a intervir destrutivamente na esfera social, tanto que algumas delas chegam a extremos não tão isolados como a Psicologia Evolutiva, e que obviamente, nada têm a ver com o rigor e técnica científicos. Por conta de eventos e conhecimentos como esta extravagante pseudociência, é que se faz necessária a discussão cada vez mais importante, de critérios que separem a ciência da pseudociência. Pois apenas assim, é possível discutir racionalmente a validade científica de determinadas teorias e conhecimentos.

O que poderia explicar o mainstream massivo da Psicologia Evolutiva, e sua ampla aceitação acrítica pelas massas, pode ser a sua aclamação e veiculação pela mídia, e best-sellers de cunho comercial, literário e sem rigor científico, tais como “The Selfish Gene” de Richard Dawkins (o gene egoísta jamais foi evidenciado e não encontra qualquer possibilidade de evidência através do genoma). Seus defensores também parecem ser acometidos do que chamo de “fé cientificamente tautológica”. Seria imaginar: “Os Psicólogos Evolutivos são cientistas porque trabalham com biologia. A biologia é uma ciência natural. Logo, são cientistas e portanto, a Psicologia Evolutiva possui excelência científica”. Acredito ainda, que os proponentes da PE, acometidos pelo dogma tautológico, talvez confundam psicobiologia com psicologia evolutiva. E são coisas muito diferentes. Toda ciência tem seu corpo pseudocientífico e é preciso detectá-lo.

Nem todo cientista faz ciência. Justamente porque existem os pseudocientíficos que, aparentemente estão fazendo ciência. Tais como os parapsicólogos que se utilizam de tecnologias e métodos supostamente científicos (aparelhos de medição para revelar “fantasmas” ou “espíritos”). Não passando de charlatães que visam de alguma forma, ganhar algum dinheiro fácil graças à ignorância alheia. A pseudociência, por aparentemente operar racionalmente e ser concisa com o rigor e técnica científicos, é mais difícil de ser notada. Porém, não impossível.

Basta que lembremos do velho adágio: “nem tudo o que reluz é ouro”.

Glauber Frota

Glauber Frota

Cético desde que me entendo por gente, quando comecei a questionar se Deus tinha face. Headbanger nas horas vagas, técnico em informática - buscando aperfeiçoamento - e em dúvida quanto a seguir carreira pública, acadêmica ou privada. Ávido autodidata. Interessado por filosofia da ciência (com ênfase às ciências naturais), história da filosofia, história da ciência, filosofia política, política geral, economia, direitos humanos, psicologia, psiquiatria (incluindo forense) e cultura em geral. Crítico das ditas "modas anti-intelectuais" tais como as pseudociências e correntes filosóficas como o existencialismo, a fenomenologia, diversas vertentes de idealismo, as correntes de pensamento "pós-modernas" e culturas comerciais. Buscador de um mundo moderno, mais justo e igualitário através da ciência e da tecnologia. Onde o charlatanismo e o "macaneo", que em espanhol platino é gíria para "embuste", ou mesmo, "delírio", não encontram lugar.