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Por que deveríamos escolher a ciência ao invés das crenças?

Por Michael Shermer
Publicado na Scientific American

Desde a época da faculdade eu sou um libertário – um liberal social e conservador fiscal. Eu acredito na liberdade individual e na responsabilidade pessoal. Também acredito na ciência como o maior instrumento já inventado para entender o mundo. Então, o que acontece quando esses dois princípios entram em conflito? Minhas crenças libertárias nem sempre me ajudam. Como a maioria das pessoas que sustentam fortes convicções ideológicas, vejo que, frequentemente, minhas crenças se sobrepõem aos fatos científicos. Isso se chama raciocínio motivado, uma circunstância na qual nosso cérebro encontra maneiras de dar apoio àquilo que queremos que seja verdade. Reconhecer a existência do raciocínio motivado, contudo, pode nos ajudar a superá-lo quando ele entra em desacordo com as evidências.

Considere a questão do controle de armas. Eu sempre aceitei a posição libertária de regulação mínima nas vendas e uso de armas de fogo porque colocava as armas sob a rubrica de restrições individuais mínimas. Então eu li a respeito da ciência das armas e dos homicídios, suicídios e tiros acidentais (resumida em minha coluna de Maio), e percebi que a liberdade que tenho para balançar os braços termina no seu nariz. A crença libertária na regra da lei e em uma polícia e exércitos fortes para proteger nossos direitos não funcionará se os cidadãos de uma nação estiverem melhor armados, mas não tiverem treinamento e houver poucas restrições. Apesar de os dados para me convencer da necessidade de termos algumas medidas de controle de armas terem estado disponíveis todo o tempo, eu os tinha ignorado porque eles não se encaixavam no meu credo. Em vários debates recentes com o economista John R. Lott, autor de More Guns, Less Crime, vi uma reflexão de meu antigo eu na seleção deliberada de informações de estudos para que elas se adaptassem às convicções ideológicas. Todos nós fazemos isso, mas quando a ciência é complexa, o viés confirmatório (um tipo de raciocínio motivado) que direciona a mente para procurar e encontrar fatos confirmatórios, e ignorar as evidências em contrário, começa a funcionar.

Meu libertarianismo já obscureceu minha análise das mudanças climáticas. Eu era um cético de longa data, especialmente porque me parecia que os liberais estavam exagerando no caso do aquecimento global como um tipo de milenarismo secular – um apocalipse ambiental que demandava uma ação drástica do governo para nos salvar do dia do juízo final através de diversas regulações que amarrariam a economia e restringiriam o capitalismo, o que eu imagino serem as maiores inimigas da pobreza. Então eu recorri à literatura científica sobre o clima e descobri que existem evidências convergentes de múltiplas linhas de pesquisa que indicam que o aquecimento global é real e causado por seres humanos: aumento de temperaturas, derretimento de glaciares, o gelo desaparecendo no Ártico, a capa de gelo da Antártica encolhendo, o aumento do nível do mar que corresponde à quantidade de gelo derretido e à expansão termal, o dióxido de carbono atingindo a marca de 400 partes por milhão (a maior em pelo menos 800.000 anos, e o aumento mais rápido que já ocorreu), e a previsão confirmada de que, se o aquecimento global antropogênico é real, a estratosfera e a troposfera superior deveriam se resfriar, enquanto a troposfera inferior deveria se aquecer, o que é o caso.

O choque entre fatos científicos e ideologias estava em destaque na conferência FreedomFest de 2013, em Las Vegas – o maior encontro de libertários do mundo – onde participei de dois debates, um sobre controle de armas e o outro sobre mudança climática. Eu adoro a FreedomFest porque ela sobrecarrega meu sistema de crenças. Mas esse ano eu fiquei tão desencorajado com a furiosa negação da ciência que eu quis entregar meu cartão de sócio libertário. No debate sobre controle de armas (assim como em meus debates com Lott pelo país), propor até mesmo medidas modestas que não teriam quase qualquer efeito na liberdade – como a verificação de antecedentes – causou uma confusão tão grande quanto se eu tivesse queimado uma cópia da constituição dos Estados Unidos no palco. No debate a respeito do clima, quando eu mostrei que entre 90 a 98 por cento dos cientistas do clima aceitam o aquecimento global antropogênico, alguém gritou “MENTIROSO!”, e saiu da sala.

Liberais e conservadores são pensadores motivados também, claro, e nem todos os libertários renegam a ciência, mas todos nós estamos sujeitos a forças psicológicas quando se trata de escolher entre fatos e crenças quando eles não combinam. A longo prazo, é melhor entender o mundo como ele realmente é ao invés de como nós gostaríamos que ele fosse.

Guilherme Brambatti Guzzo

Guilherme Brambatti Guzzo