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Os Ensaios Céticos de Bertrand Russell

Por Ricardo Silas
Publicado no Bule Voador

A trajetória racionalista de Bertrand Russell é formada, em parte, por uma intransigente defesa do humanismo secular, da ciência e do ceticismo. Conhecê-lo é saber que o alcance de seu trabalho se estenderá por várias gerações. No século XX, ele presenciou as piores crises que a humanidade sofreu na era moderna: contemplou os restos mortais e os escombros das duas Grandes Guerras Mundiais e enfrentou o temperamento obscuro de religiosos e políticos fanáticos. Enquanto as propagandas de governos incentivavam o ufanismo doentio, Russell estava lá para combatê-las, sem nunca deixar de propor soluções racionais para os problemas de sua época. Foram raros os filósofos que desafiaram, com persistência e bravura, os mais violentos impulsos da estupidez humana, tendo que enfrentar prisões, censuras e até mesmo ameaças de morte.

Por volta de 1920, Russell escreveu 17 ensaios filosóficos que serviram de matéria-prima para forjar uma de suas obras mais memoráveis: Ensaios Céticos. O livro reúne pensamentos sobre política, educação, filosofia, religião e ciência, e é possível notar que, graças a esse trabalho, a Filosofia obteve maior credibilidade em várias regiões do Ocidente. Que os líderes das grandes potências mundiais, por várias vezes, já estiveram dispostos esmagar nações inteiras, disso ninguém duvida. Basta recordar o que ocorreu em agosto de 1945, quando as bombas atômicas docilmente apelidadas de “Little Boy” e “Fat man” foram lançadas pelos EUA nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki; ou quando a Crise dos Mísseis em Cuba quase culminou em uma guerra nuclear entre os soviéticos e os norte-americanos. Mas muito antes que a Guerra Fria congelasse os corações humanos, a atitude filosófica advogada por Russell tentava nos conduzir a um desfecho diferente da extinção da nossa infantil espécie. Ao refletir sobre o mundo civilizado, Russell planejava abolir os obstáculos que impediam as pessoas de serem céticas, racionais e, sobretudo, amáveis.

O ceticismo que Russell sugeriu em seu livro é compreendido em três partes inseparáveis: a) “quando os especialistas estão de acordo, a opinião contrária não pode ser tida como certa” (a menos que possua evidências que a suportem); b) “quando não estão de acordo, nenhuma opinião contrária pode ser considerada correta por um não especialista” (Richard Dawkins entendeu esse item quando disse que, caso a Evolução se prove como errada, a refutação terá vindo de um cientista, não de um idiota); c) “quando todos afirmam que não existem bases suficientes para a existência de uma opinião positiva, o homem comum faria melhor se suspendesse seu julgamento”. Porém, “suspender o julgamento” não é igual a “suspender a investigação”, que deve continuar enquanto estivermos vivos.

A humanidade vive um momento no qual os recursos naturais e tecnológicos estão disponíveis para promover o nosso bem-estar. No entanto, faltam-nos os recursos morais que nos tornem capazes de fazer bom uso da natureza e da tecnologia. Uma mente cética está ciente de que o método científico, embora tenha suas imperfeições, é o ponto de partida mais prolífico que existe. É o que nos faz buscar fundamentos racionais para as opiniões que desenvolvemos, não de forma apaixonada, como dizia Russell, mas com lucidez e comprometimento com a verdade. Russell reconhece que, no campo das ideias, “a paixão é a medida da falta de convicção racional de seu defensor”, e percebeu, diante disso, que “opiniões sobre política e religião são quase sempre defendidas de forma apaixonada”. A falácia wishfull thinking pode resumir esse estado emocional no qual o indivíduo acredita no que lhe soa agradável, não no que é verdadeiro. O desejo de acreditar em algo sem evidências simboliza a conspiração de crenças ilusórias contra a racionalidade e seus alicerces. E quanto mais agradável uma crença ou opinião aparenta ser, mais cuidado devemos tomar para não cairmos em superstições ou em ideologias cegas.

Os ensaios deste livro deixam o alerta contra os perigos de uma educação dogmática e patriótica, que envenena a razão e sabota o pensamento crítico. Se as crianças continuarem a ser ensinadas a idolatrar autoridades mundanas ou sobrenaturais, ou a confiar cegamente no propósito que os poderosos lhes impuseram, o nosso futuro será formado por indivíduos sem imaginação, sem conhecimento e, o que é ainda pior, sem amor. Mais do que uma força racionalista e humanista, Russell é uma fonte inesgotável de inteligência para as pessoas que buscam um mundo justo e benevolente. E são essas as mensagens que precisamos levar adiante.

Ricardo Silas

Ricardo Silas

Estudante de História (UFRB), 25 anos.