Pular para o conteúdo

Os Ciclos do Planeta: Wilson e Milankovitch

Não é revolucionário dizer que muito em nossa vida é cíclico. Isso ocorre nas mais diversas esferas, seja na música, na moda, nas linhas de pensamento predominantes, nos hábitos diários, nos equipamentos, nas experiências, nos sentimentos e assim poderíamos seguir listando ad infinitum. Com o planeta Terra, bem como com a vida, o Universo e tudo mais, não poderia ser diferente.

Os ciclos nunca atuam isoladamente e estão intimamente interligados uns aos outros em diferentes escalas: menores, como nas marés; e maiores, como na evolução dos supercontinentes. Aqui serão retratados alguns destes ciclos naturais que tem extrema importância na compreensão da evolução do nosso planeta e dos processos climáticos de longa escala: os Ciclos de Wilson e Milankovitch, respectivamente do maior para o menor.

O Ciclo de Wilson, ou ainda o Ciclo de Supercontinentes, compreende um conceito amplo sobre o tema, sendo relacionado com as mudanças tectônicas globais que nosso planeta passou, e ainda passa, durante toda a sua história evolutiva. Mais precisamente, tal evolução compreende especialmente os últimos 2,7 bilhões de anos, já que antes disso o planeta ainda estava se consolidando como o conhecemos, com contínuo vulcanismo e intenso decaimento radioativo. Tais aspectos deram forma a uma paisagem em consolidação típica do início do Arqueano e do Hadeano (nome que vem de Hades, deus do mundo do mundo inferior/inferno na mitologia grega).

De modo simplista e resumida, as placas tectônicas da forma como conhecemos hoje têm singelos 2,7 bilhões de anos de idade, antes disso tudo ainda estava ganhando forma. Seu comportamento atual é dado de 1 bilhão de anos pra cá.

Lá pelo ano de 1965, J. Tuzo Wilson, ao realizar estudos na Islândia, chegou à conclusão que sim: o fundo oceânico atlântico estava em expansão. Isto o levou a definir os estágios evolutivos dos continentes, do nascimento à morte.

Assim, partindo-se da ideia de um supercontinente como o Pangea, que é o último dos supercontinentes (sim, houve vários), vamos buscar compreender de forma simplificada as principais etapas que englobam esse ciclo de 300 milhões de anos e qual seu impacto no clima do planeta.

wilson1) Tendo como partida o Supercontinente formado, ocorre uma forte influência térmica de fontes abaixo da crosta terrestre, esquentando o material rochoso que constitui a crosta continental. Neste período ainda não há vulcanismo, portanto ainda não há liberação de CO2 na atmosfera.

2) O calor abaixo da superfície do continente ocasiona o afinamento da crosta continental que acaba por fragmentar-se. Com a separação dos fragmentos do continente, que é chamada rift ou rifteamento, e o intenso vulcanismo, inicia-se a formação de crosta oceânica. Assim nasce um oceano entre os continentes, como ocorreu na separação da África e América, por exemplo, originando o Oceano Atlântico. O vulcanismo é intensificado juntamente com as emissões de CO2, o que acarreta em uma tendência de aumento da temperatura do planeta.

3) O processo de abertura do oceano chega ao seu ponto máximo e a partir de então a crosta oceânica mais densa é jogada contra a crosta continental. Por ser mais densa, ela mergulha em direção ao manto pelo esforço, em um processo chamado subducção, levando a fusão do material rochoso e mais vulcanismo. Um exemplo deste processo de subducção pode ser observado na atual formação dos Andes. A emissão de CO2 continua, mas com a menor intensidade dos processos de vulcanismo, há menos gás carbônico na atmosfera. Por isso, a tendência média da temperatura global é de se tornar mais branda que anteriormente.

4) O fechamento do oceano começa a chegar ao seu fim, diminuindo seu tamanho e ao mesmo tempo a quantidade de material consumido na subducção. A atividade vulcânica diminui, igualmente as emissões de CO2 e a temperatura planetária tem uma tendência geral de resfriamento.

5) Ocorre o fechamento do oceano, tendo consumido toda a crosta oceânica. O choque entre os dois continentes em sentidos opostos ocasiona a formação de cadeias montanhosas sem processos vulcânicos. Baixa emissão de CO2 e a Terra já tende a ser mais fria que antes.

6) Fim dos esforços continentais convergentes, a cadeia montanhosa para de se desenvolver e um novo supercontinente está configurado. As atividades vulcânicas são mínimas e o planeta alcança temperatura mais baixa, efeito refrigerador.

O Ciclo de Milankovitch, ou ainda Variação Orbital, está relacionado com a variação no modo com que os raios solares atingem a superfície do nosso planeta, levando a mudanças diretas na nossa relação de invernos e verões, além das glaciações. Mas não, não é a hora para ativar aquela sua nostalgia sensorial, dos verões menos quentes de outrora ou invernos mais frios; nossa escala de tempo é outra e como todo bom ciclo, existem outros ciclos dentro dele. Vamos entendê-los.

Nomeado em homenagem ao astrônomo Milutin Milankovitch é caracterizado pela interseção de três fenômenos relacionados com a órbita terrestre: a precessão de equinócios, uma oscilação cônica do norte e sul geográficos a cada 21 mil anos pela influência gravitacional do Sol e da Lua; a variação do eixo terrestre, entre 21,5° e 24,5°, a cada 41 mil anos; e a excentricidade da órbita, passando de quase circular (1%) a moderadamente elíptica (5%) a cada 91 mil anos.

Como constatou Milankovitch, tais variações geram mudanças climáticas no nosso planeta. Para melhor compreender essa infinidade de números, ângulos e formas geométricas, vamos summonar uma imagem e deixar tudo um pouco menos confuso.

milaNo lado esquerdo da figura, podemos conferir as três variantes no Ciclo de Milankovitch, com seus intervalos aproximados até retornarem a situação inicial. No lado direito, podemos conferir o alinhamento desses subciclos e sua relação com o clima médio do planeta, a partir da definição da temperatura das águas dos mar por isótopos de carbono. Tal constatação está relacionada com os períodos glaciais nos últimos milhares de anos, sendo que atualmente estamos em um período interglacial. Vale notar que o esfriamento do clima do planeta ocorre na forma de um processo lento e gradual, enquanto o aquecimento tende a ser abrupto.

É quase inevitável que a esta altura do campeonato alguém já esteja questionando sobre aspetos relacionados com as mudanças climáticas atuais. Mas calma, compreender estes dois ciclos é apenas um passo para entender o dinamismo contínuo do nosso planeta, bem como sua evolução e história. Seria um argumento preguiçoso discursar sobre questões climáticas atuais baseando-se apenas no Ciclo de Milankovitch ou no Ciclo de Wilson, pois eles atuam conjuntamente com outros processos e o clima não funciona simplesmente como algo homogêneo sobre toda a superfície, afeta de forma distinta diferentes áreas da Terra. Estes dois ciclos aqui descritos compreendem apenas duas das várias condicionantes que devem ser abordadas para se construir uma opinião bem embasada sobre o tema.

Nunca é demais lembrar que a condicionante tempo deve receber especial atenção ao estudarmos estes processos, afinal estamos falando de ciclos de 21.000 anos, 300.000.000 anos!!! Querer nos encaixar nesse ciclo de forma simplista ou dar respostas rápidas com base em gráficos com essas escalas é um processo perigoso, nossa concepção de tempo humana é diminuta frente a estes processos e devemos estar sempre atentos com extrapolações deste tipo.

Vamos fazer um exercício, me diga: quantos anos você tem? Quantos anos tem a civilização como conhece hoje? Coloque esses números no papel lado a lado com os anteriores e simplesmente conte os zeros para sentir todo o drama: nossa dificuldade em compreender o tempo em suas diferentes escalas. Pode notar o quanto somos uma pequena fração dentro da história do nosso planeta? Por isso não é tão fácil definir em que momento da evolução natural do planeta realmente estamos e qual o caminho que seguimos para o futuro (em suas diferentes escalas).

O video do INPE, apresentado abaixo, pode nos ajudar a resumir um pouco as ideias discutidas nesse artigo e ainda nos apresentar novas condicionantes para o ciclo natural.

Tudo é uma questão de escala, mas isso é assunto para um próximo momento… assim como as mudanças climáticas atuais!

Gael Mota

Gael Mota

Geólogo e apaixonado pelo mar. Se não está dentro d'água, está cultivando rabiscos ou caçando ruídos. Seu diário de bordo você encontra no terra001.org