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Morte e decomposição no espaço

Por Jaime Trosper
Publicado na From Quarks to Quasars

Antes de mergulharmos no processo de decomposição, deixe-me parabenizá-lo pela sua curta jornada espacial. Você, meu amigo, é agora um membro de um grupo muito exclusivo de pessoas que se aventuraram até e além do horizonte terrestre. A má notícia é que, sem um traje adequado, você morreria. E como sabemos, a exposição ao vácuo te mataria de inúmeros jeitos indesejáveis. Com sorte, você teria um fim rápido; um privilégio que seu corpo talvez não teria.

A parte “nojenta”/ Coisas ligeiramente não relacionadas:

Se você já esteve alguma vez perto de uma pessoa falecida, você deve ter notado que o corpo começa a passar por várias mudanças imediatamente após a morte ocorrer. As mudanças mais aparentes são o “pallor mortis” (uma palidez sobre o corpo) e algo chamado lividez (também conhecido como “livor mortis”). Após a morte – quando o coração já não é mais capaz de bombear sangue através do corpo – a gravidade começa a agir e o sangue começa a empoçar nas partes inferiores do corpo (aquelas mais próximas ao chão). As células vermelhas do sangue mais pesadas também descem, formando as marcas em padrões de roxo atribuídas a lividez.

Pouco tempo depois, o “rigor mortis” se estabelece. Durante essa fase da decomposição, os membros se tornam muito rígidos e inflexíveis… como se os músculos que formam o corpo fossem removidos e substituídos por concreto. Enquanto isso, o corpo começa a esfriar rapidamente, processo chamado de “algor mortis” (o progresso desse estágio da decomposição pode ser baseado em muitos fatores, como a localização do corpo, a época do ano, gordura corporal e se a pessoa estava tomando muitas drogas ou medicações anteriormente à morte). Uma combinação das situações acima ajudam um legista a determinar quando uma pessoa morreu. (e em patologia forense, eles podem ajudar a determinar se uma pessoa foi movida da posição em que ela foi encontrada. Isso, ás vezes, pode ajudar a estabelecer se a morte é ou não suspeita.)

Enquanto algumas dessas mudanças post mortem podem ser bastante chocantes, elas são apenas uma pequena janela do que está por vir. Após os efeitos do pallor mortis, livor mortis, algor mortis e do rigor mortis acontecerem e se dissiparem (tipicamente durando vários dias), bactérias tomam conta da situação. Então, as coisas começam a virar uma bagunça. Primeiramente, sapróbios começam a trabalhar, comendo o remanescente dos órgãos internos (a maioria já está agora nos processos inicias da putrefação. Durante qual, enzimas e bactérias anaeróbicas quebram os órgãos internos pedaço a pedaço, fazendo com que eles se liquefaçam), tecidos e músculos. No processo, cria-se os ácidos e gases que fazem o corpo inchar e feder. Alguns desses saem do corpo através de vários orifícios, enquanto a maior parte deles continua a se acumular, até que a pele se rompa. Nesse ponto, o falecido se torna praticamente irreconhecível (não que você gostaria de chegar perto o suficiente para examiná-lo com os próprios olhos).

E esse horror está longe de terminar (apesar de o pior já ter passado), mas eu irei poupá-los do resto, já que eu sei que isso está longe de ser um assunto confortável para se discutir. Mas apesar disso, eu tenho um ótimo motivo para trazê-los à tona: para enfatizar o fato de que as bactérias têm um papel muito significante no processo de decomposição. Aqui na Terra, nós temos muitos métodos para atrasar a manifestação de tais processos (ou seja, embalsamento – onde nós drenamos o sangue da pessoa, substituimos ele então por um coquetel de diferentes produtos químicos; incluindo o formoaldeído), pelo menos por tempo o suficiente para que os amigos e a família digam adeus durante o velório.

A parte  “não nojenta”/ Indo diretamente ao ponto.

No espaço, a morte pode acontecer em alguns cenários diferentes. Primeiramente, nós temos a morte e a decomposição sem um traje espacial. Nesse cenário – sem uma fonte interna de calor – o corpo irá provavelmente se congelar bastante rápido, pondo o “do pó vieres, para o pó voltarás” definitivamente abaixo. Na verdade, nós não sabemos quanto tempo demoraria para um corpo se decompor nessa maneira, então, é concebível que o corpo provavelmente duraria para sempre, ou então duraria por muito, muito tempo (isso se assumirmos que o corpo nunca se aventurará perto de uma estrela, buraco negro ou qualquer outro corpo celeste)

Agora, assumindo que a morte ocorra perto de uma fonte de calor externa (um exemplo seria o envelope externo da atmosfera da Terra, onde a temperatura é bem quentes, mas não tão quente que resulte em incineração), o corpo iria secar muito rápido – a pele viraria algo como o couro e os músculos algo como carne de sol! Isso pois, ao que se sabe, o corpo é feito de uma quantidade substancial de água. E no espaço, a água evapora bem rápido.

Além disso, o vácuo do espaço sem um traje espacial também iria esterilizar o corpo humano e inabitá-lo às bactérias. Junto ao fato de que as bactérias são a chave para o processo de decomposição, parece muito improvável que o corpo vá se decompor em um curto período.

Agora, com a proteção de um traje espacial dos elementos exteriores, a decomposição provavelmente seria acelerada (na medida que isso ainda deve ser visto, nós não podemos saber com certeza sem testemunhar o evento, mas ainda é problemático considerando o papel que as formas de vida não bacterianas desempenham no processo de decomposição). Após a morte, as bactérias dentro do traje iriam começar a jantar rapidamente o corpo à medida que a morte celular acontece, vagarosamente dividindo o corpo em vários pedaços. Isso seria apenas aplicável se uma fonte de calor permanecesse. Caso não, voltaríamos a situação anterior, onde o corpo congelaria antes que as bactérias tivessem uma chance de se alimentar e multiplicar.

Não importando o jeito que você morra, a morte, propriamente dita, não é nem um pouco “nojenta”, “repulsiva” ou mórbida. Na verdade, é muito mais um rito no qual todos nós passaremos. Discutir esses assuntos nos traz um entendimento mais profundo da complexidade da natureza… e de nós mesmos. Além de que… se você vai morrer.. você ao menos tem de tentar morrer de um jeito épico!

Carlos Abelardo

Carlos Abelardo

24 anos. Trabalha com divulgação científica desde a adolescência. Hoje é Biólogo, Mestrando em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal de Goiás.