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Mario Bunge e a crítica ao pós-modernismo

Mario Bunge é uma das vozes mais lúcidas e controversas da filosofia latino-americana. Em sua passagem por Lima falou para o El Dominical sobre a crise do capitalismo, as pseudociências, os pós-modernos e a claridade de intelectuais latino-americanos.

Jorge Paredes (polígrafo).

“Falam difícil porque não têm nada a dizer”, diz Mario Bunge (Buenos Aires, 1919) sobre os defensores da chamada pós-modernidade. O filósofo e físico argentino não poupa adjetivos referentes a aqueles que deixaram a ciência racional para construir teorias com base na especulação e no que ele chama de pseudociências. Ele é o autor de trinta livros, dentre eles seu enorme “Tratado de Filosofia” (sete volumes) e “Ciência e Método”, um pequeno volume que não parou de ser reimpresso desde o seu aparecimento nos anos sessenta.

Por que em nossos países, onde necessita-se tanto do desenvolvimento científico, há tão pouca ênfase na investigação?

É culpa dos intelectuais que não foram capazes de compreender que a ciência e a tecnologia são os motores da civilização moderna. Se compreendessem, pressionariam os governos a lidarem com isso. Em nossos países quase todos os intelectuais se ocupam com qualquer coisa, menos com ciência e técnica. Os cientistas não estão normalmente interessados em política, o que é um erro pois teriam de agir nesta área para exigirem que os governos invistam mais em ciência, educação e saúde.

Em uma entrevista, você disse que a filosofia estava muito doente, mortalmente ferida. A situação da filosofia contemporânea é tão crítica?

Eu acredito que a filosofia estagnou-se. Nos últimos anos, ela não abordou questões importantes, mas problemas secundários e muitas vezes pseudo-problemas. Muitos filósofos perguntam, por exemplo, como é que seria uma Terra sem água ou o que significa ser um morcego.

Por que não nos ocupamos melhor de como as pessoas pensam e sentem? Para isso, devemos aprender sobre as neurociências que estudam o órgão da mente que é o cérebro, mas a maioria dos filósofos se recusa a aprender isso. Eu não acho que a filosofia vai morrer ou desaparecer, mas se ela está muito doente, uma boa dose da ciência do século XXI poderia fazer muito bem. Nesse sentido, você é um entusiasta defensor da neurociência. Que progressos têm neste campo?

Estamos vivendo a década do cérebro. Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais igualitários.

Por que os filósofos se afastaram da ciência? Quando isto começou?

Eu creio que tudo começou como uma reação contra o Iluminismo. Tudo começou com pessoas como Hegel, no início do século XIX, como uma reação contra o modernismo, contra o cientificismo e o materialismo. Vieram todas estas fantasias idealistas de Hegel e, no século passado apareceram Edmund Husserl, Martin Heidegger e outros charlatães que escreveram de modo que era impossível compreendê-los. Desta maneira, escondiam que não diziam nada.

Quando Heidegger disse que a essência do ser é “ele mesmo”, o que isso significa? Absolutamente nada. Mas como quem disse foi um professor alemão, os latino-americanos e os franceses dizem “oh, que sabedoria”, não percebendo que falou difícil porque não tem nada a dizer.

Você se refere a filósofos que desenvolveram o pensamento pós-moderno…

Eles não produziram nenhum conhecimento justamente porque apenas negam a ciência, a racionalidade, a lógica, e quando você nega tais coisas, torna-se um quadrúpede. Quando não se reconhece que o cérebro é capaz de compreender, conhecer, quando se diz que tudo é misterioso, recusa-se a modernidade.

É pior do que voltar para a Idade Média. Porque na Idade Média, havia filósofos e teólogos que pelo menos discutiam racionalmente. Aquino não descobriu nada, mas nos ensinou a discutir. Ele disse que quando se discute com um crente, exibe-se as Escrituras para convencê-lo, mas quando se discute as Escrituras com um descrente, elas não servem. Por isso não há mais que continuar a raciocinar com ele.

O capitalismo está enfrentando uma de suas piores crises desde 1929. Você falou de um modelo de sociedade chamado “tecno-holo-democracia”. O que isso significa?

O ocidente é vítima de uma má filosofia política, o neoliberalismo, segundo a qual as empresas devem ter total liberdade. E já se sabe que o capitalismo é suicida e portanto, necessita de controles. Os críticos do capitalismo, no entanto, não oferecem nenhuma alternativa credível. Os socialistas estão paralisados e não têm novas ideias. Marxistas ficam repetindo os mesmos conceitos do século XIX. Defendo que no futuro deveria haver uma democracia integral, não limitada ao aspecto político, mas estendida do econômico ao cultural. Esta sociedade do futuro, para além de boas ideias, precisa de técnica, porque o governo não deve estar nas mãos de fãs. E a democracia econômica será alcançada através das cooperativas, que são as empresas que operam no mercado, mas sob a posse e gestão dos seus trabalhadores em colaboração com especialistas. Um modelo de cooperativa de sucesso é a basca Mondragon: tem seu próprio banco, sua própria universidade e uma centena de empresas diversificadas. Nenhuma delas faliu e as pessoas trabalham com gosto porque o fazem para si mesmas.

E a ética calvinista que levou o capitalismo?

Isso acabou. De acordo com Max Weber, a ética calvinista era muito cuidadosa com o dinheiro, não especulava. O capitalismo dos últimos 30 anos, especialmente nos Estados Unidos, tem sido o capitalismo de casino, especulação e empréstimos. Enron, corporação amiga da família Bush, era apenas uma concha. Bernard Madoff durante 30 anos fraudou mais de 50 bilhões de dólares de pessoas ricas e 35 fundos de pensão sindicais. Ele fez isso porque ninguém controlou, porque a administração Reagan eliminou a maioria dos controles e Clinton terminou com os restantes. Democratas e Republicanos são igualmente culpados nesta crise.

Qual é a receita para chegar aos 90 anos?

Não ler os pós-modernos, não fumar, não beber álcool e não fazer muito esporte. Mantenha o seu cérebro ágil. Se alguém deixa de aprender, o cérebro para de funcionar.

Os Livros

Depois de vinte anos a maior obra de Bunge, “Tratado de Filosofia” (em oito volumes) chega aos leitores de língua espanhola, sob o selo da editora Gedisa. É um projeto ambicioso, que aborda o que Bunge considera o núcleo da filosofia contemporânea: a semântica, a ontologia, a epistemologia e a ética. Outros títulos disponíveis são “A Busca da Realidade” e “Crise e Reconstrução da Filosofia”.


Entrevista feita pelo El Dominical e republicada pela Clío – Historia y Actualidad Del Perú y El Mundo.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.