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Jogo dos quarks: um guia para os perplexos

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

22 de julho de 2015

A natureza é o principal jogador do quebra-cabeça, como os cientistas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, do nome em inglês) descobriram na semana passada.

No final da década de 1950, a física de partículas estava em crise. Sendo o ramo da física que estuda a estrutura da matéria, os físicos de partículas procuram os menores pedaços de matéria que compõem tudo o que existe — as partículas elementares. Para obter a designação de “elementar”, uma partícula não pode ser feita de pedaços menores: uma partícula elementar é um tijolo da matéria fundamental, conceito que remonta aos filósofos gregos Leucipo e Demócrito, que, por volta de 400 a.C., propuseram que a matéria era feita de pedaços indivisíveis chamados de átomos (do grego “a-tomos” — o que não pode ser cortado).

O problema que os físicos enfrentavam naquela época era que à medida que as energias em experimentos com partículas em colisão cresciam, o mesmo ocorria com o número de partículas “elementares”. Chamados de hádrons, seus números eram na casa de centenas. Dificilmente “elementar” por qualquer medida.

A solução espetacular veio em 1964, quando o físico da Caltech Murray Gell-Mann e, independentemente, George Zweig postularam a existência de novas partículas elementares que compunham as centenas de hádrons. A ideia era aparentemente simples: da mesma forma que todos os elementos naturais e artificiais da tabela periódica são feitos de apenas três partículas (prótons, nêutrons e elétrons) em números diferentes, os hádrons são feitos de “quarks” em diferentes combinações. O nome veio do romance de James Joyce, Finnegans Wake, Livro 2, Episódio 4: “Three quarks for Muster Mark!”.

No total, seis quarks são suficientes para explicar todos os hádrons encontrados até agora (cujos nomes são usados em inglês): up, down, charm, strange, bottom e top. Por exemplo, um próton é feito de dois quarks up e um quark down. Podemos representar um próton como (uud). Os quarks são ligados ao próton por partículas chamadas glúons. Um nêutron é feito a partir da combinação (udd). Você pode usar o mesmo raciocínio com os outros hádrons, que vêm em dois tipos: bárions (três quarks, como próton e nêutron) e mésons (feitos de um quark e um antiquark). Um antiquark é como o quark original, mas com carga elétrica oposta (e outras diferenças que não vêm ao caso aqui).

O que é legal e bizarro sobre os quarks é que eles têm carga elétrica fracionária. Lembra-se de como um próton tem uma unidade de carga elétrica positiva e o elétron tem uma unidade de carga elétrica negativa? Bem, se um próton é feito de três quarks, como isso funciona? Pegue o quark up para ter carga +2/3 da unidade de carga e o quark down para ter carga -1/3. Assim, um próton, sendo (uud), terá carga elétrica total +2/3 + 2/3 -1/3 = +1. Pronto! Um nêutron, sendo (udd), tem carga elétrica zero. A carga elétrica de um hádron ajuda a ditar o que os quarks podem fazer.

Tal como acontece com a carga elétrica, você pode atribuir outros “números quânticos” para os quarks: da mesma forma que temos diferentes tipos de IDs (número de Segurança Social, número de passaporte, carteira de motorista, etc.), os quarks têm números diferentes. Para montá-los em hádrons, os físicos precisam dar conta de todos esses números, usando-os como um princípio de construção. Assim como Mendeleev fez para os elementos químicos e a tabela periódica, predizendo a existência de novos elementos que “deveriam estar lá” para completar a regularidade periódica que ele havia encontrado, Gell-Mann explorou as simetrias dos números quânticos em hádrons para prever com sucesso a existência de novos deles. Em alusão ao budismo, ele chamou seu quebra-cabeça de previsão de partículas de o “Caminho Óctuplo“. Era como se a natureza tivesse transformado as propriedades das partículas em um quebra-cabeça: para que as simetrias fossem satisfeitas — para que o quebra-cabeça fosse completado —, todas as peças tinham que estar lá. Se uma estivesse faltando, os experimentos deviriam encontrá-la. E eles encontraram, e muito bem.

Na semana passada, cientistas trabalhando no Grande Colisor de Hádrons (LHC, do nome em inglês), na CERN, onde o bóson de Higgs foi descoberto em 2012, anunciaram a descoberta de mais uma peça do quebra-cabeça predita por Gell-Mann e refinada por D. Strottman em 1979, mesmo que com extremo exotismo em suas propriedades: em vez de ser feita como os outros hádrons, com 3 quarks ou um par de antiquark e quark, esta partícula é um “pentaquark”, feito de quatro quarks e um antiquark (para o especialista técnico, aqui está a referência. Para o leitor não técnico, aqui está um comunicado de imprensa).

A descoberta é significativa porque esclarece 50 anos de sinais de partículas falsos e de potenciais sinais. Ela mostra como a ciência progride, como experimentos testam uma hipótese de forma consistente até que haja consenso na comunidade científica. Os novos resultados, embora ainda aguardando revisão de outros cientistas, parecem ser fortes e claros o suficiente para confirmarem a existência de tais partículas.

Mais uma vez, os quarks mostram que a natureza não só gosta de quebra-cabeças, como também gosta que seus quebra-cabeças sejam completados.

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.