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Já chega de “Teoria de Tudo”

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

Na semana passada, escrevi sobre alguns dos temas do meu livro “A Tear at the Edge of Creation” (Uma lágrima no limite da criação, em tradução livre). Hoje, quero mencionar brevemente as razões pelas quais uma assim chamada “Teoria de Tudo” (TOE, por suas iniciais em inglês) é uma impossibilidade. Temos que acabar com essa ideia de uma vez por todas.

Primeiro, deixe-me dizer o que uma TOE realmente significa. Ela não é realmente uma teoria de “tudo”. Não inclui biologia, geologia, psicologia ou ciências sociais em geral. Ela nem sequer inclui química, embora alguns físicos possam (erradamente) dizer que a química esteja contida na física. Uma TOE foca-se em explicar a composição material do Universo em seu nível mais fundamental e como essas partes de coisas interagem umas com as outras.

“Material” aqui deve ser compreendido amplamente para incluir não apenas as partículas de matéria, como elétrons e quarks, mas também as partículas que transmitem as forças entre partículas de matéria, como o fóton (a partícula da luz, responsável pelas forças eletromagnéticas). Há outras, mas isso não vem ao caso.

Uma TOE presumivelmente também incluirá mais tipos misteriosos de coisas, como a elusiva matéria escura (que não é feita de átomos comuns como nós) e a energia escura (um meio como o éter que preencha o espaço e é responsável por acelerar a expansão do Universo).

Uma TOE combinaria partículas de matéria, partículas de força, matéria escura e energia escura em uma única teoria descrevendo todas as quatro forças como manifestações de uma única força. Não vemos essa unidade porque ela só se manifesta em energias extremamente altas, muito além do que podemos perceber, mesmo com nossos equipamentos mais poderosos. As quatro forças são como quatro rios que se juntam a montante para se tornarem três, depois juntam-se novamente mais acima para se tornarem dois e, finalmente, juntam-se mais uma vez para se tornarem um único rio na Fonte de tudo. Nessa analogia do rio, os físicos que buscam uma TOE são como os canoístas remando rio acima, em direção à fonte.

Culturalmente, não há dúvida de que o impulso em unificar segue de mãos dadas com a noção de unidade encontrada em crenças monoteístas pré-científicas. Na fé judaico-cristã, o único Deus é responsável por tudo e está além do espaço e do tempo no esplendor sobrenatural. Mesmo que a maioria dos físicos que buscam uma TOE não sejam crentes, eles são herdeiros dos antigos ideais platônicos de simetria e simplicidade matemática, os quais mais tarde foram traduzidos, em particular por São Tomás de Aquino, como atributos da mente de Deus. Não é de se admirar que a imagem de “conhecer a mente de Deus” continue aparecendo em textos populares de física, sendo o mais famoso em “Uma Breve História do Tempo”, de Stephen Hawking.

Não haveria nada de errado nisso se a noção de uma TOE fizesse sentido. Mas não faz.

Tenha em mente que as teorias físicas são impulsionadas por dados, com base em um processo meticuloso de validação empírica: qualquer hipótese deve ser provada por experimentos antes de ser aceita. E mesmo quando ela é aceita, e a hipótese é ocasionalmente elevada ao nível de uma “teoria”, como na teoria da relatividade geral, essa aceitação é sempre temporária. Uma teoria física só pode ser provada errada, nunca correta, pelo menos em qualquer sentido permanente. Isso ocorre porque toda teoria está necessariamente incompleta, sempre pronta para atualizações, à medida que aprendemos mais sobre o mundo físico.

O que podemos dizer sobre a natureza depende de como a medimos; a precisão e o alcance de nossos instrumentos ditam o quanto “longe” podemos ver. Como consequência, nenhuma teoria que tenta unificar o conhecimento atual pode ser seriamente considerada uma teoria “final” ou uma TOE, já que nunca podemos ter a certeza de que não estamos esquecendo uma grande evidência.

Em outras palavras, nossa visão míope sempre perene da natureza impede que qualquer teoria seja completa. A natureza não se importa com o que achamos das nossas ideias.

O melhor que podemos fazer, e que devemos fazer, é continuar procurando por explicações mais abrangentes dos fenômenos naturais, possivelmente até mesmo alcançando algum nível de unificação à medida que avançamos (a história da física tem algumas, como a teoria da gravidade de Newton que reuniu os movimentos terrestres e celestes, e o eletromagnetismo que, na ausência de fontes como cargas e correntes elétricas, mostra uma bela unificação entre eletricidade e magnetismo).

No entanto, mesmo se tivermos sucesso na construção de uma teoria unificada das quatro forças conhecidas (uma proposta difícil de acreditar nos dias de hoje, dada a falta de suporte observacional após quatro décadas), será apenas uma unificação temporária e incompleta, nunca uma TOE ou teoria “final”.

A ciência, mesmo em seu nível mais fundamental, é um processo de descoberta contínuo que se alimenta de nós nunca termos todas as respostas.

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.