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Fusão x Fissão: tecnologias em energia nuclear limpa e verde explicadas

Artigo traduzido de ABC. Autor: Stuart Gary.

Energia nuclear limpa e barata é muitas vezes apontada como um meio para combater as mudanças climáticas. Mas quão próximos estamos de ter usinas nucleares que se encaixam no “verde e limpa”? Quais são as diferentes tecnologias e o que elas oferecem?

Mais de 10% da eletricidade do mundo atualmente vem das usinas de energia nuclear. Essas usinas existentes dependem da fissão nuclear – uma reação em cadeia, onde os átomos de urânio são divididos para liberar quantidades extraordinárias de energia e, infelizmente, níveis elevados de resíduos radioativos.

Mas um tipo diferente de reação nuclear – a fusão nuclear – tem sido o foco da pesquisa para desenvolver energia nuclear sem o problema dos resíduos radioativos.

A fusão nuclear é a reação que alimenta o Sol Trata-se átomos de hidrogênio sob temperaturas e pressões extraordinárias, sendo fundidos para formar átomos de hélio e liberar uma grande quantidade de energia e resíduos radioativos. Mas ao contrário da fissão, esta resíduos radioativos tem curta duração, e decaem a níveis indetectáveis.

A fusão nuclear ocorre rapidamente em estrelas como o Sol, porque os seus núcleos atingem temperaturas extremas de mais de 15 milhões de graus Celsius, e pressões bilhões de vezes maiores do que a nossa pressão atmosférica na Terra.

Os reatores de fusão precisariam recriar essas condições extremas na Terra, e os pesquisadores estão utilizando duas abordagens diferentes para atingir este objetivo: reatores tokamak e fusão a laser.

Reatores Tokamak

Grupos separados de cientistas na Alemanha e na China anunciaram recentemente que fizeram avanços na fusão nuclear usando reatores tokamak.

Os reatores Tokamak usam um anel em forma de rosca para abrigar isótopos pesados e super-pesados de hidrogênio, conhecidos como deutério e trítio.

O hidrogênio comum – que é também conhecido como protium – consiste de um único próton no seu núcleo orbitado por um elétron. O deutério difere no fato do núcleo também conter um nêutron e o trítio tem um próton e dois nêutrons em seu núcleo.

Estes isótopos são aquecidos a 100 milhões de graus Celsius por poderosas correntes elétricas dentro do anel.

A estas temperaturas extremas, os elétrons são arrancados dos átomos, formando um plasma carregado de íons de hidrogênio.

Representação artística da vista em corte do reator de fusão tokamak ITER em operação. (ITER)
Representação artística da vista em corte do reator de fusão tokamak ITER em operação. (ITER)

Ímãs confinam o plasma carregado numa área extremamente pequena dentro do anel, maximizando a chance dos íons superaquecidos se fundirem e emitirem energia. O calor gerado pode ser utilizado para transformar água em vapor, que gira turbinas, produzindo eletricidade.

Mais de 200 tokamaks experimentais foram construídos em todo o mundo, mas até agora todos eles têm consumido mais energia do que produzem.

Um enorme projeto tokamak internacional – o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER) – tem como objetivo mudar essa situação.

O ITER foi projetado para produzir 10 vezes mais energia do que precisa para funcionar, tornando-se o primeiro reator de produção de energia a fusão. Atualmente está sendo construído no sul da França, mas com as primeiras experiências de fusão previstas para 2027, vai levar algum tempo antes de sabermos se esse objetivo será alcançado.

Enquanto isso, os físicos na Alemanha estão usando uma variante do tokamak, conhecido como o Wendelstein 7-X stellarator. Ele utiliza uma estrutura em anel retorcido com alterações na geometria e campos magnéticos diferentes para controlar o plasma por longos períodos de tempo em comparação com as rajadas curtas que os tokamaks alcançam.

Na semana passada, físicos do stellarator anunciaram que tinham criado um plasma de hidrogênio usando dois megawatts de radiação de microondas para aquecer o gás de hidrogênio a 80 milhões de graus Celsius durante um quarto de segundo.

Ao mesmo tempo, os cientistas na China disseram que tinham alcançado temperaturas de 50 milhões de graus Celsius (três vezes mais quente que o núcleo do Sol) durante 102 segundos em seu reator de fusão Tokamak experimental chamado Experimental Advanced Superconducting Tokamak (EAST).

Fusão a laser

Enquanto tokamaks e stellarators usam ímãs para confinar os plasmas, um outro corpo de pesquisa está se concentrando em uma estratégia diferente para desencadear reações de fusão, usando lasers de alta potência.

A fusão a laser utiliza rajadas ultra-curtas de lasers muito poderosos para gerar as temperaturas extremas e as pressões necessárias para desencadear uma reação de fusão.

Estes pulsos de laser podem aquecer e comprimir isótopos de hidrogênio a uma fração de seu tamanho, forçando-os a se fundir em hélio e liberar nêutrons de alta energia.

A Instalação Nacional Ignition do Lawrence Livermore National Laboratory na Califórnia atinge ignição nuclear de deutério-trítio usando um laser que produz mais de dois milhões de joules de energia em um impulso súbito com duração de apenas um nanosegundo (um bilionésimo de segundo).

A desvantagem de sistemas de fusão a laser utilizando deutério e trítio é que eles continuam a produzir nêutrons de alta energia (radiação de nêutrons), que pode tornar radioativos outros materiais.

Um método alternativo de fusão a laser está sendo desenvolvido por cientistas, incluindo o Professor Emérito Heinrich Hora do Departamento de Física Teórica da Universidade de Nova Gales do Sul, que usa prótons de hidrogênio normais e o elemento Boro 11, que é facilmente encontrado.

Em vez de nêutrons de alta energia, a fusão hidrogênio-boro 11 (HB11) produz uma avalanche de núcleos de hélio, resultando em níveis extremamente baixos de radioatividade – menor do que é produzido pela queima de carvão.

Cada reação HB11 produz três partículas de hélio, cada uma das quais colide com outra partícula de boro para produzir mais três reações e assim por diante”, disse o professor Hora.

O processo requer dois lasers HB11, o primeiro para gerar um poderoso campo magnético de confinamento numa bobina para confinar a reação de fusão numa pequena área por um nanossegundo, enquanto um segundo laser mais poderoso desencadeia o processo de fusão nuclear.

“O laser disparado fornece um pulso de duração extremamente curta, apenas um picossegundo, que é um milionésimo de milionésimo de segundo, e mil vezes menor do que o [pulso de nanossegundo dos] lasers do Lawrence Livermore”, disse o professor Hora.

Os pulsos de picossegundo atingem a fusão através de forças eletrodinâmicas – convertem diretamente a energia do laser óptico em movimento mecânico – esmagando o material para desencadear a fusão.

O professor Hora diz que os primeiros experimentos de fusão HB11 no Prague Asterix Laser System, usando lasers de iodo de alta energia, têm gerado mais energia do que o necessário para desencadear o processo de fusão.

“Para cada joule de energia empregado no processo de fusão pelos lasers, a reação HB11 gera 10 mil joules”, diz o professor Hora.

“Energia de fusão nuclear pode ser uma realidade em 10 a 15 anos”.

O coringa tório

Com o objetivo de energia limpa em mente, o foco não está apenas na fusão nuclear. Uma forma mais limpa de fissão nuclear é o tema de pesquisa ao redor do globo.

As usinas nucleares existentes dependem da fissão, usando o urânio 235, que é instável e facilmente perde nêutrons. Esses nêutrons colidem com outros átomos de urânio, dividindo-os e causando ainda mais colisões com ainda mais átomos de urânio em uma reação em cadeia.

Mas todos estes nêutrons de alta energia resultam em grandes quantidades de radioatividade.

Os reatores de fissão de tório – desenvolvidos pela primeira vez na década de 1950 – poderiam ser uma alternativa mais limpa.

O tório é mais leve que o urânio, não sofre fissão, e não pode entrar num colapso descontrolado como o urânio. Em vez disso uma pequena quantidade de urânio ou plutônio é injetada no combustível de tório, ou um feixe de partículas é acionado para que ele dê o pontapé inicial.

O processo envolve átomos de tório 232, bombardeados com nêutrons para produzir átomos de tório 233, que decaem rapidamente em protactinium 233, e, em seguida, em urânio 233, que sofre fissão semelhante às usinas nucleares atuais.

Ao contrário de urânio 235, que criam reações em cadeia auto-sustentáveis, os reatores de tório só funcionam enquanto você continuar disparando nêutrons, sendo automaticamente à prova de falhas para evitar colapso.

Os reatores de tório também produzem apenas uma fração dos resíduos radioativos das usinas nucleares convencionais, eles não são adequados para fazer  armas, e podem até mesmo serem usados para consumir resíduos nucleares existentes como fonte de combustível.

O tório é três vezes tão abundante quanto o urânio, e a Austrália tem as maiores reservas conhecidas do mundo.

Os Estados Unidos, Índia, Israel, Reino Unido, China, Noruega, Chile e Indonésia estão examinando projetos de reatores nucleares de tório.

Jessica Nunes

Jessica Nunes

Um universo inteiro a ser descoberto por ele mesmo. Apaixonada por astronomia desde pequena e fascinada por exatas desde o berço.