Pular para o conteúdo

Fezes de jovens fazem peixes velhos viverem mais

Publicado na Nature

Pode não ser o jeito mais agradável de se expandir a vida, mas pesquisadores demonstraram pela primeira vez que peixes velhos vivem mais tempo após consumir micróbios das fezes de peixes mais jovens. Os achados foram postados ao servidor pré-publicação biorxiv.org em 27 de Março por Dario Valenzano, um geneticista no Max Plancke Institute for Biology of Ageing em Cologne, Alemanha, e seus colegas.

Os chamados estudos “sangue-jovem” que acopla os sistemas circulatórios de dois ratos (http://www.nature.com/news/ageing-research-blood-to-blood-1.16762) – um jovem e um velho – descobriram que fatores correndo pelas veias de roedores jovens podem melhorar a saúde e longevidade de animais mais velhos. Mas o novo e pioneiro estudo examinou os efeitos de se “transplantar” micróbios intestinais sobre a longevidade.

“O artigo é bastante impressionante. É muito bem-feito” disse Heinrich Jasper, um biólogo do desenvolvimento e geneticista no Buck Institute for Research of Ageing em Novato, California, que antecipa que cientistas irão testar se tais transplantes de microbioma poderão estender a vida em outros animais.

A vida é curta para os Killifish, um dos vertebrados com menor longevidade na Terra: O peixe atinge maturidade sexual com três semanas e morre em alguns meses. O Killifish Turquesa (Nothobranchius furzeri) que Valenzano e seus colegas estudaram no laboratório habita lagoas efêmeras que se formam durante estações chuvosas em Mozambique e Zimbabwe.

Estudos prévios haviam indicado a existência de uma relação entre a microbiota e o envelhecimento em diversos animais. Conforme envelhecem, humanos e ratos tendem a perder um pouco da diversidade de suas microbiotas, desenvolvendo uma comunidade mais uniforme de micróbios intestinais, com espécies patogênicas previamente raras aumentando sua dominância em indivíduos mais velhos.

O mesmo padrão se observa em Killifish, cujas microbiotas na juventude são tão diversas quanto em ratos e humanos, diz Valenzano. “Você realmente consegue dizer se um peixe é jovem ou velho pela sua microbiota intestinal”.

Lanchinhos fecais

Para testar se mudanças na microbiota possuem um papel no envelhecimento, a equipe de Valenzano “transplantou” a microbiota intestinal de peixes de 6 semanas de idade em peixes de meia-idade de 9,5 semanas de idade. Eles primeiro trataram os peixes velhos com antibióticos para limpar a sua microbiota intestinal, e então os colocaram em um aquário estéril contendo os conteúdos intestinais de peixes jovens por 12 horas. Killifish normalmente não comem fezes, Valenzano comentou, mas eles comumente investigavam e mordiam os conteúdos intestinais para verificar se era comida, ingerindo micróbios no processo.

Os micróbios transplantados colonizaram o intestino dos peixes velhos com sucesso, descobriu a equipe. Às 16 semanas de idade, a microbiota dos peixes idosos que receberam “micróbios de jovens” ainda era semelhante à microbiota dos peixes de 6 semanas (jovens).

A microbiota jovem “transplantada” também causou efeitos dramáticos sobre os peixes que a receberam: Sua longevidade média foi 41% maior que a de peixes expostos à micróbios de animais de meia-idade, e 37% maior que a de peixes que não receberam nenhum tratamento (os próprios antibióticos também aumentaram a longevidade, mas com menor impacto).

E com 16 semanas de idade – idosos, pelos padrões de Killifish – os indivíduos que receberam a microbiota jovem nadavam pelos seus aquários com maior frequência que outros peixes velhos, com níveis de atividade mais similares aos de peixes de 6 semanas. Por contraste, a microbiota intestinal de peixes mais velhos não teve efeito na longevidade de peixes jovens, reportou Valenzano e sua equipe.

Efeitos sobre o sistema imune

Exatamente como micróbios influenciam a longevidade ainda é incerto, diz Valenzano. Uma possibilidade é que sistemas imunes se degradam com a idade, permitindo que micróbios maléficos superarem em número as bactérias mais benéficas. Componentes de uma microbiota mais jovem poderiam também promover a longevidade ao, de alguma forma, influenciar a função do próprio sistema imune, Valenzano adiciona.

“O desafio com todos esses experimentos vai ser dissecar o mecanismo”, disse Jasper. “Eu suponho que será bastante complexo”. Seu laboratório está tentando realizar trocas de microbiota em moscas de diferentes idades para testar seu impacto na longevidade.

Robert Beiko, um bioinformata que estuda comunidades de microbiota na Dalhousie University em Halifax, Canada, espera conseguir fundos para estudar se trocas de microbiota influencia o envelhecimento em ratos também. Ele também se pergunta se a microbiota de um próprio individuo, armazenada na juventude, pode estender sua longevidade quando reintroduzida na velhice.

Em humanos, transplantes fecais podem ajudar a tratar algumas infecções recorrentes (http://www.nature.com/news/faecal-transplants-succeed-in-clinical-trial-1.12227), mas Valenzano diz que é cedo demais para considerar o procedimento como tratamento para expandir a vida. “Eu não iria tão longe. Ainda estamos em uma etapa muito prematura de evidenciar potenciais efeitos positivos”.

Lucas Rosa

Lucas Rosa

Lucas Rodolfo de Oliveira Rosa é graduado em Ciências Biomédicas pela UNESP e Mestrando em Biologia Funcional e Molecular pela UNICAMP. Entusiasta pela ciência desde criança, Lucas é colaborador do Universo Racionalista e Editor-Chefe em Mural Científico (www.muralcientifico.com), sua plataforma aberta de divulgação científica nacional e internacional. Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4854743Z0