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Empurrar as fronteiras da física de alta energia liga a humanidade

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

Eu passei a última semana no CERN, o laboratório de física de alta energia perto de Genebra, na Suíça, onde a partícula Bóson de Higgs foi descoberta em julho de 2012.

Para aqueles que ainda não estão familiarizados, o CERN abriga um acelerador de partículas gigante — o Grande Colisor de Hádrons (LHC) — uma máquina projetada para encontrar os menores constituintes da matéria.

Para um físico, ir para o CERN é um pouco parecido com uma peregrinação para uma catedral. Nós estamos visitando um lugar sagrado, falando metaforicamente, onde usamos nossas ferramentas e criatividade para expandir nosso conhecimento do cosmo e do nosso lugar nele. Na Idade Média, diferentes cidades competiam entre si para conseguir peregrinos, já que eles traziam dinheiro, para a economia local, e credibilidade religiosa. Relíquias eram exibidas como ímãs de atração, tornando a visita significativa para aqueles que procuravam orientação espiritual e inspiração. A catedral serviu para muitos propósitos, incluindo ser um lugar de beleza e para fazer contatos entre os membros de uma comunidade religiosa.

O CERN acabou de terminar a primeira execução do LHC após ele ter recebido melhorias, alcançando energias que foram quase o dobro daquelas alcançadas nas execuções anteriores, aquelas que encontraram a Higgs. A máquina trabalha fazendo prótons colidirem contra prótons frontalmente, depois de acelerá-los no sentido horário e anti-horário para velocidades próximas a velocidade da luz. As partículas voam ao redor de um túnel circular de 27 quilômetros que está enterrado no subsolo a 91 metros. Em alguns pontos, dentro de dispositivos chamados de detectores, eles fazem as partículas colidirem umas com as outras. Um detector é essencialmente uma câmera surpreendentemente sensível, capaz de registrar as trajetórias das partículas que saem voando do ponto de colisão.

Um engenheiro do CERN me contou que fazer feixes de prótons colidirem com feixes de prótons é como tentar atirar duas agulhas, uma da América do Norte e outra da Europa, e fazê-las colidirem em pleno ar sobre o Atlântico Norte. É necessário ter muita habilidade e tecnologia de alta precisão.

A execução atual foi mais uma calibração para mostrar a viabilidade de alcançar tais energias sem precedentes. Agora vem o trabalho duro para ajustar a máquina para fazer o que as pessoas esperam que ela faça. O LHC está testando o conhecimento pelas margens, abrindo as janelas para o desconhecido no mundo do que é muito pequeno. Físicos e engenheiros do CERN estão sob enorme pressão para encontrar algo novo. O nosso conhecimento da física de partículas está em uma encruzilhada, onde o que nós sabemos não é suficiente para explicar o que vemos.

Nós não sabemos se o bóson de Higgs é uma única partícula ou um composto por duas ou mais. O próton, por exemplo, é composto por três partículas chamadas quarks, conectadas por outras partículas chamadas glúons. É um pouco como olhar para uma laranja e tentar descobrir o que está dentro, mas sem ser capaz de cortá-la com uma faca. Nós não sabemos se uma simetria hipotética da natureza, conhecida como supersimetria, existe ou não. A supersimetria (SUSY, para os íntimos) foi proposta no começo da década de 1970 como uma possível solução para várias questões em física de partículas. Depois de mais de 40 anos, o LHC tem a capacidade de testar a hipótese, uma vez que a SUSY prevê que muitas novas partículas deveriam existir. Carreiras inteiras foram construídas com a expectativa de que a SUSY é uma simetria verdadeira da natureza. Não encontrar nenhum vestígio dela no LHC seria devastador para muitas pessoas.

Encontra algo novo — “física nova” — daria um novo ímpeto à física de partículas de alta energia. Eu tive a oportunidade de conversar sobre isso com Rolf Heuer, diretor geral do CERN. Ele brincou que uma descoberta importante era suficiente para seu mandato (ele estava se referindo à Higgs), uma vez que ele está deixando o cargo em janeiro. Mas ele também reconheceu que será difícil justificar para os políticos e contribuintes porque é importante continuar pesquisando a estrutura da matéria em energias cada vez mais altas.

Eu acredito que existem muitas razões.

Em primeiro lugar, mesmo que estas máquinas custem muito dinheiro (na ordem de bilhões de dólares), elas ainda são baratas em comparação com certas armas, como os bombardeiros B- 2 e porta-aviões nucleares. É claro que os EUA e a Europa precisam ter uma defesa militar forte. Mas é necessário questionar quantos bombardeiros B-2, porta-aviões e submarinos nucleares são necessários, dada a atual cena geopolítica, onde a ameaça é mais dependente da inteligência.

Em segundo lugar, a busca dos constituintes básicos da matéria nos conecta ao passado e futuro distante, de forma intelectual e na prática. De forma intelectual, porque é parte de nossa busca de sentido em um cosmo cheio de mistério, tanto agora como no início da civilização. Queremos saber de onde viemos, nosso lugar no cosmo, do que somos feitos. Não é de se admirar porque a cosmologia e a física de partículas de alta energia atraem tanta atenção. Elas estão fornecendo respostas para algumas das perguntas mais profundas que podemos fazer sobre nós mesmos e sobre o mundo em que vivemos. Poucas coisas podem ser mais excitantes do que isso.

Em terceiro lugar, grandes projetos científicos são modelos espetaculares para colaborações internacionais. Milhares de pessoas de dezenas de países trabalham juntos para o avanço do conhecimento. Não importa quais são suas crenças políticas ou religiosas, sua cor de pele ou classe social; quando os cientistas colaboram, o fazem numa troca de ideias aberta e democrática. Um bom exemplo é o acelerador SESAME, operando na Jordânia, trazendo a colaboração de cientistas israelenses com colegas de muitos outros países árabes.

Em quarto lugar, existem inúmeros desdobramentos tecnológicos deste tipo de pesquisa, aplicáveis em todas as facetas de nossa vida moderna. Ímãs de alta potência, interruptores de controle rápido, recursos de mineração e de armazenamento de dados enormes, transferência de dados ultrarrápida e capacidade de processamento, etc. É sempre bom lembrar às pessoas que a Internet nasceu CERN, como uma forma de facilitar a troca de informações entre os milhares de cientistas que trabalham em conjunto. Poucas invenções trouxeram uma mudança mais profunda para o mundo. E era tudo para a física de partículas, pelo menos no começo.

Em quinto lugar, como Rolf Heuer me lembrou, é também sobre a formação de pessoas. Dezenas de milhares de técnicos, engenheiros e cientistas adquirem habilidades de uma vida toda fazendo pesquisas de alta energia, as quais mais tarde usarão em outros lugares. Os professores vêm para receber treinamento de extensão e estudantes ficam maravilhados diariamente.

Como as catedrais, máquinas como estas são um testemunho do que as pessoas podem fazer quando se reúnem para enfrentar um desafio. Este é o maior legado deste tipo de pesquisa, um lembrete do que podemos realizar, mesmo em meio ao mais escuro dos tempos.

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.