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Cores – O relativismo, o universalismo e a ciência

As cores da visão biológica – como graças ao viral do vestido é sabido por mais pessoas do que nunca – são sensações e não características físicas dos objetos ou da luz, apesar de terem relação com estas (como o espectro da luz, o espectro refletido por objetos, etc) que podem ser estudadas e representadas em sistemas de cores.

Nós humanos estruturamos nossas sensações em nossos idiomas e dialetos, e usamos vários dos termos que descrevem as sensaçãoes de cor para caracterizar objetos, superfícies, luzes etc. Podemos dizer que um vestido é vermelho, e todos nós entendemos o que isso significa, mesmo que o vestido em si não tenha “cor”, mas sim um comportamento de refletir menos ou mais diferentes partes do espectro visível.

Mas, nem a estruturação, nem a categorização, e nem mesmo a percepção de cores é igual entre todos humanos, variando tanto entre indivíduos de um mesmo grupo quanto entre indivíduos separados por diferentes culturas, idiomas e dialetos, épocas etc. Isso sugere que a forma como interpretamos e distinguimos as cores pode ser afetada pelo estilo de vida, pela forma como são estruturadas as categorias de cores nos idiomas e dialetos, pelo ambiente, entre outros fatores que podem ser culturais, linguísticos, ambientais e biológicos.

Isso somado à diferentes pesquisas e vertentes ideológicas levou a duas posições amplamente discutidas:

A VISÃO UNIVERSALISTA

A visão universalista das cores propõe que a percepção de cores humana tem sim estrutura biológica semelhante entre os humanos, sendo assim possível fazer sistemas representativos (como o CIE 1931) fidedígnos da percepção de cores humana em contextos definidos (pois em imagens e ambientes complexos e não controlados o número de fatores que influenciam a percepção de dado espectro são muito grandes para se ter precisão sobre como este será percebido como cor).

Os universalistas propõe que as diferenças na percepção em si não são tão grandes entre humanos saudáveis, e que apesar da flexibilidade, a maior parte da divergência surge ou na comunicação (porque os idiomas/dialetos e culturas referem se a estas de forma diferente), ou em casos onde há fatores mais específicos envolvidos (como diferenças genéticas entre grupos, grandes diferenças no estilo de vida e no ambiente, etc).

A VISÃO RELATIVISTA

A visão relativista das cores, assim como todo o relativismo em si, prega a impossibilidade de representar de forma fiel e objetiva o mundo, de poder conhecê-lo através de sua representação e análise objetiva, negando ser possível criar um sistema que represente fielmente e universalmente a percepção de cores humana.

A visão relativista critica a metodologia de investigação científica universalista, afirmando que ela segue os “padrões ocidentais” de ciência, e que ao tentar adaptar as formas de compreensão da cor e da visão de outras culturas aos próprios padrões (“ocidentais”) não conseguem refletir propriamente a forma como aqueles povos compreendem e percebem as cores.

Apesar destas críticas consideravelmente ideológicas e imprecisas quanto à visão universalista e à ciência, outras críticas mais pertinentes foram feitas, como a da complexidade da compreensão e categorização da visão e das sensações, já que em diferentes culturas (especialmente em diferentes idiomas e dialetos) a forma de compreender a visão varia de forma muito complexa, e pode ser necessária muita comunicação e desenvolvimento até ser possível representá-la para indivíduos de outras culturas de forma fidedígna (apesar de que relativistas na maioria das vezes usam este argumento pregando a impossibilidade e não a dificuldade de se fazer isso).

A CIÊNCIA DAS CORES

Apesar de que essa discussão permeia o meio científico, e de que o meio científico está de acordo com a visão universalista, a investigação científica não está focada em uma visão ou tentando aprovar/reprovar uma destas, mas está focada sim nas evidências e no que estas levam a compreender.

Uma das formas de se contornar o problema e fugir da subjetividade na investigação é fazendo mais experimentos que envolvam testes físicos e análises independentes da comunicação ou da cultura, ou pelo menos que envolvam o mínimo de dependência na comunicação e fatores culturais o possível,  evitando que a interação com estes fatores que possa ameaçar a objetividade da investigação e a universalidade dos resultados.

Isso é feito, por exemplo, estudando indivíduos ainda bem jovens, antes que tenham tido grande contato com a cultura e com o idioma. Este estudo por exemplo fez testes com crianças que ainda não conheciam as cores por meio de linguagem, após apresentadas a um estímulo inicial, distinguiam melhor um segundo estímulo apresentado se esse estivesse em outra categoria de matiz do espectro (vermelho, amarelo, verde e azul) do que se estivesse na mesma categoria, mesmo esses dois estímulos sendo igualmente distantes do primeiro estímulo no espectro (mesma diferença no comprimento de onda), e portanto sugerindo que essa discriminação é natural e que dela então se formaram as categorias de matiz (ao invés de ter sido o idioma e a cultura que influenciaram nosso discernimento de matiz).

Já este outro estudo mais recente, aponta evidências um tanto diferentes, de que há menos relação entre as categorias de matiz e a percepção de cores, e que, apesar de ainda evidenciar uma capacidade natural de categorizar e agrupar estímulos em diferentes partes do espectro, ela não explica totalmente as categorias que surgiram em muitos idiomas e culturas (incluindo o nosso).

COMENTÁRIO FINAL

Apesar de toda a discussão, uma coisa é certa sobre a postura científica: Não conhecemos todas varáveis e todas suas interações na percepção de cores humana, e não devemos nos apressar em alegar que este ou aquele fator tem essa ou aquela relação na ausência de evidências, e tão pouco devemos usar a ausência de evidências e a extrema complexidade envolvida no processo como argumento para sustentar idéias sobre a percepção de cores.

Se houverem mais ou menos fatores biológicos, ambientais, linguísticos ou culturais, quais são estes e como funcionam, é possível de ser descoberto pela investigação científica, são as evidências que devem mostrar os fatores e suas interações, e a metodologia de investigação deve buscar contronar a subjetividade, buscando fatores que sejam passíveis de ser entendidos de forma objetiva que possam então nortear o entendimento dos outros fatores.


Links extras:

Teste seu discernimento de cores (pela matiz) nesse teste:

http://www.xrite.com/online-color-test-challenge


Referências:

//en.wikipedia.org/wiki/CIE_1931_color_space
//en.wikipedia.org/wiki/Linguistic_relativity_and_the_color_naming_debate
http://www.journalofvision.org/content/13/7/1.full
http://www.sciencemag.org/content/191/4223/201

Guilherme Ferreira Franco

Guilherme Ferreira Franco

Adepto do ceticismo científico e divulgador da ciência pela UR e pelo Clube de Astronomia Louis Cruls (CALC). Faz licenciatura em física, e desenvolve atividades com eletricidade, eletrônica, informática e outras tecnologias desde 2008.