Pular para o conteúdo

Como lesões cerebrais aumentam o fundamentalismo religioso

Por  Samuel Fernando

Qual a relação da biologia com o comportamento? Como processos biológicos, cognitivos e sociais interagem entre si? Quais os mecanismos neurais associados com processos cognitivos superiores, por exemplo, como a crença? Pesquisas já mostraram que crenças religiosas estão associadas a certas regiões do cérebro humano, porém ainda há muito a aprender sobre como essas áreas influenciam o comportamento religioso. As crenças afetam profundamente e diretamente a vida e o comportamentos das pessoas, mas seus caminhos cognitivos e neurais são poucos compreendidos no âmbito da neurociência cognitiva.

Um novo estudo publicado na revista Neuropsychologia descobriu que lesões em uma determinada região do cérebro tendem a aumentar o fundamentalismo religioso no comportamento individual. “As crenças humanas, e neste caso as crenças religiosas, são um dos armazenamentos de conhecimento cognitivo e social que nos diferencia de outras espécies e indicativos evolutivos de como processos cognitivos/sociais influenciaram o desenvolvimento do cérebro humano”, disse Jordan Grafman, Northwestern University.

Grafman e sua equipe examinaram soldados veteranos de guerras no Vietnã com lesões em regiões do cérebro conhecida como córtex pré-frontal ventromedial. Os indivíduos com essas lesões relataram níveis mais altos de fundamentalismo religioso em comparação com o grupo controle. A descoberta indica que “a variação na natureza das crenças religiosas são governadas por áreas cerebrais superiores específicas e essas áreas estão entre as áreas mais desenvolvidas do cérebro humano”, explicou Grafman. Pesquisas anteriores sugeriram que o córtex pré-frontal ventromedial, situado no lobo frontal, era um “centro crítico” na representação de sistemas de crenças.

O novo estudo constatou que o dano ao córtex pré-frontal ventromedial parece estimular o fundamentalismo religioso, reduzindo a flexibilidade e planejamento cognitivo processada no córtex frontal – ou seja, a capacidade de atualizar crenças à luz de novas evidências – adicionalmente colaborando para redução do traço de personalidade normal. Foram examinado 119 veteranos com lesão cerebral traumática penetrante e 30 veteranos do Vietnã sem histórico de lesão cerebral.

Grafman alertou que os resultados possuem limitações quando relacionados com outras modalidades de crenças do indivíduo. “Precisamos ainda esclarecer como as crenças religiosas são distintas das crenças morais, legais, políticas e econômicas em suas representações no cérebro, a natureza da conversão de um sistema de crenças para outro, a diferença entre crença, agência e a profundidade do conhecimento que os indivíduos usam para acessar e relatar suas crenças”. A nova pesquisa ajuda a elucidar as ligações entre função cerebral e crenças religiosas. Porém há muitos outros fatores, tanto fisiológicos e psicológicos, que precisam de mais estudos. “As crenças moldaram nossos comportamentos há milhares de anos e ajudaram na modelagem, desenvolvimento e sofisticação de nossos cérebros”, explicou Grafman. “Esses sistemas de crenças dependem de outros aspectos dos processos cognitivos e sociais e essas interações seriam importantes esclarecer. Por exemplo, como a abertura da personalidade afeta a forma das crenças e como age com base nas crenças? E quanto à predisposição genética e seu efeito sobre os sistemas de crença?”. “Embora crenças religiosas e outras possam ser estudadas de forma seletiva e independente de outros processos cognitivos/sociais, sua dependência e interação com outras funções cerebrais será uma importante área de pesquisa nas próximas décadas”, disse ele ao PsyPost. “Como dizem, ‘o diabo mora nos detalhes'”.

Referência

  • Zhong, Wanting, et al. “Biological and cognitive underpinnings of religious fundamentalism.” Neuropsychologia (2017).
Samuel Fernando

Samuel Fernando

Sou pesquisador na área de neurociência computacional pela Universidade Federal do ABC e atuo nos seguintes tópicos: neurônios espelhos, redes neurais, inteligência artificial, linguagem, transtornos mentais e teoria da consciência. Sou futurista, mas apaixonado por antiguidades, letras, artes e literatura clássica. Scientia et potentia in ídem coincidunt. Transhumanismo sim!