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Análise e crítica do estruturalismo ante-rem no contexto da filosofia da matemática

Introdução

O estruturalismo dentro da filosofia da matemática é basicamente a noção de que a matemática só ganha significado extrinsecamente (ou seja, a matemática não tem significado próprio, ela “recebe” significação externa, um exemplo seria a arte que ganha valor a partir do momento que é apreciada mas não tem significado imanente), através de uma grande estrutura de relações entres os objetos matemáticos, ou seja, o seu lugar dentro das estruturas matemática definem o que este objeto significa, por exemplo, o axioma “duas retas paralelas nunca se cruzam” (dentro do sistema da geometria euclidiana) é definido através da relação que as propriedades de duas linhas paralelas tem entre si, ou seja, entendendo o significado da relação “paralela” em relação às “duas retas”. Nesse sentido, o estruturalismo deve muito ao formalismo de David Hilbert, que afirmava que a matemática na verdade é um jogo de linguagem, objetos matemáticos seriam definidos através das regras axiomáticas que definem seu comportamento e propriedades.

Na forma de estruturalismo que pretendo trabalhar nas próximas páginas, o estruturalismo ante-rem, uma forma de retorno ao platonismo matemático que defende que as estruturas matemáticas de relações, como aritmética, existem objetivamente no mundo, independente do matemático e até mesmo independente da exemplificação destas estruturas no mundo. Nesta visão, a forma gramátical de declarações matemáticas como “1+2=3” significa que dentro da estrutura da aritmética, o significado do nome “1” somado ao significado do nome “2” é igual ao significado do nome “3”, mas somente quando são conectadas pelo símbolo de soma, o “+”, dentro da estrutura da aritmética, esta formula refere-se diretamente à estrutura real da aritmética no mundo e é necessariamente verdadeira por causa disso. E mesmo o símbolo “1” não tem significado intrínseco, eu posso substituir pelo correspondente romano “I” e realizar a soma “I+II=III”, os símbolos podem mudar, mas não a relação entre eles dentro da estrutura da aritmética. Contanto que os símbolos refiram-se a “lugares” dentro de uma estrutura maior, não importa se é utilizado os numerais arábicos ou romanos, contanto que continuem a se referir aos mesmos objetos. Ou seja, “1” ou “I” não teria significado intrínseco a menos que estejam ocupando um espaço especifico dentro da estrutura da matemática.

Dentro desta resenha monográfica, eu pretendo realizar uma critica especificamente ao estruturalismo ante-rem e por extensão, criticar qualquer forma de realismo matemático. Para isso proponho um argumento a respeito da suposta existência das estruturas matemática dentro de um campo conceitual, para depois estender esta ideia para o campo da realidade observável utilizando-me, em parte da metafísica kantiana para tal.

É importante notar que eu não pretendo aqui, propor nenhuma alternativa ao estruturalismo, nem mesmo nega-lo, mas realizar criticas pontuais que vários autores fizeram (ou poderiam fazer) contra o estruturalismo. Não quero aqui dizer que o estruturalismo é falso, mas somente mostrar porque pode ser falso.

Outro ponto importante, é que em nome da honestidade intelectual, eu também pretendo apresentar respostas possíveis para as críticas (se houverem respostas) apresentadas, de modo que não pretendo realizar um julgamento decisivo contra ou a favor do estruturalismo, em especial do estruturalismo ante-rem, apenas analisar os argumentos e no final tirar uma conclusão possível a respeito do status do estruturalismo como possível resposta ao problema da fundação da matemática e ao desafio de Benacerraf.

1 – Contexto histórico e descrição:

O estruturalismo que pretendo analisar aqui é a modalidade platônica desta, o chamado estruturalismo ante-rem ( que é necessariamente platônico), que afirma que, e em oposição à visão dos números como objetos, que as representações simbólicas dos números não é importante, o que é importante é o lugar a qual estes símbolos fazem referencia, ou seja, à lugares abstrato fora do espaço-tempo mas que é parte intrinseca da metafísica.

O platonismo especificamente pode ser definido nas palavras de J.C. Beall no seu artigo “From Full Blooded Platonism to Really Full Blooded Platonism”:

Dito que uma entidade platônica é uma entidade inteiramente livre de processos causais. Dito que “platonismo” é a crença que pelo menos algumas entidades platônicas existem. Restrito à entidades matemáticas, platonismo é a crença que pelo menos algumas entidades matemáticas são entidades platônicas. O desafio epistemológica de Benacerraf (1979) ao platonismo é o desafio de explicar como poderíamos obter conhecimentos a respeito de entidades platônicas.

O estruturalismo surgiu para responder à um famoso artigo de autoria de Benacerraf, chamado “O que número não poderiam ser”, neste artigo Benacerraf argumenta o seguinte (esta formulação na verdade está no livro de Mark Balaguer, Platonismo e Anti Platonismo na Filosofia da Matemática):

1. Se existem sequências de objetos abstratos que satisfazem a Aritmética de Peano (PA), então existem infinitos números de de tais sequências.

2. Portanto não existe nada de “metafisicamente especial” sobre quaisquer dessas sequências que as fazem sobressaltar sobre as outras.

Então

3. Não existem sequências de objetos abstratos que sejam os números naturais.

Mas

4. Platonismo implica que existe uma sequencia de objetos abstratos que sejam números naturais.

Logo

5.Platonismo é falso.

É o chamado Problema de Não-Unicidade. Este problema foi originalmente proposto como uma crítica ao platonismo matemático, mas penso que possa se estender ao estruturalismo, pois, como verei posteriormente, o estruturalismo não pode responder a este problema sem abandonar a unicidade da sequencia dos números naturais, pois, como o argumento 4 postula, o próprio platonismo afirma que deveria existir uma sequencia unica de objetos que seriam números naturais.

Varias respostas foram dadas, algumas delas atacando 2, mas outras, aceitam 2 mas atacam o argumento 3, de que o platonismo implica que números são objetos. Dessa segunda categoria de respostas, a mais famosa é o Estruturalismo (platônico).

O próprio Benacerraf na verdade é proponente de uma linha não-platônica do estruturalismo, mas isto não é relevante.

Dentro do estruturalismo, estabelece-se que na verdade, números são na verdade estruturas, não objetos, no estruturalismo ante-rem, como anteriormente explicado, estas estruturas ou, como eu gosto de falar “redes” de inter-relações matemáticas, são verdadeiras por necessidade, pois ela existe de fato no mundo, como um código fonte está num software.

2 – O problema da “coisa-em-sí”

Minha primeira contenção com este tipo de pensamento refere-se ao fato do estruturalismo ante-rem é uma filosofia epistemologicamente realista, ou seja, ela baseia sua asserções no pressuposto teórico de que o conhecimento matemático na verdade sempre esteve no mundo e nós simplesmente o”descobrimos”, promovendo a matemática assim, à nível das ciências exatas. Isso, teoricamente também resolveria a questão da aplicabilidade da matemática nas ciências naturais, afinal,s e a matemática sempre esteve ai, esperando ser descoberta, então essa aplicabilidade não poderia ser mera coincidência.

O problema, na minha visão, decorre do fato de que esta afirmação “as estruturas matemáticas existem na realidade”, em primeiro lugar, no argumento do “porque” exatamente é assim, parte de um pressuposto “toda teoria matemática é uma estrutura de relações internas e consistentes com ela mesma” e do segundo pressuposto “estas estruturas são intrínsecas à natureza”, eles argumentam que nossa intuição matemática “provaria, que ela foi descoberta, ou seja, não é uma construção formal, como diria Hilbert, nem que é, em ultima instância, lógica, como diria Frege, ou que é uma construção recursiva, como diria Weyl; no entanto, penso eu, o fato de nossas intuições “levarem” à matemática ou que ela pode ser usada para modelagens matemáticas , não implica necessariamente que a matemática é algo próprio da realidade, por dois motivos que irei explorar posteriormente, não posso aceitar o “ante rem”.

Primeiramente, consideremos a teoria metafísica proposta pelo filósofo do século 18, Immanuel Kant, na sua magnum opus, Crítica da Razão Pura, ele argumenta que a realidade como à observamos não necessariamente corresponde ao que necessariamente “é”, ele argumenta que existe o mundo fenomênico, ou seja, o mundo imediatamente perceptível aos sentidos e o mundo dos númenos, ou seja, a realidade tal qual ela É. Para exemplificar, imagine que ao nascer, você foi equipado com um dispositivo irremovível, este dispositivo altera sua percepção para o resto da sua vida, se alguém que não foi equipado com tal dispositivo e te falar que o mundo não e´do jeito que você percebe, você poderia tomar conhecimento deste mundo, mas nunca conceitualiza-lo, assim como uma pessoa q foi surda a vida toda, nÃO consegue entender o conceito de “som”, assim estaríamos, de acordo com Kant, vivendo numa realidade potencialmente distorcida. O problema emerge quando se considera os seguinte, mas e se as nossas percepções coincidirem de fato com a realidade de fato, ou seja, e se o fenômeno e o numeno são os mesmo? Kant diz que é perfeitamente plausível, mas é impossível ter certeza, afinal, o mundo do numeno é,d e acordo com ele, impossível de ser determinado, está efetivamente fora do alcance conceitual, nós não podemos saber porque não temos como definir o que “é” de fato, real, com absoluta certeza.

Utilizando-me deste ideia, eu critico o estruturalismo ante-rem, afinal, mesmo que a matemática seja um conjunto dessas grandes estruturas teóricas de relações, não podemos garantir, como fazem os defensores do ante-rem, que a estruturas sejam necessariamente parte da realidade, torna-se um pressuposto indefensável e dogmático a partir daí, afinal, mesmo que a matemática seja mesmo “real’, nós não podemos saber com certeza, logo, podemos afirmar que, na ausência de prova mais substancial ao ante-rem, nós podemos afirmar que as estruturas provavelmente não existem no mundo como ideias intuitivas e necessárias à cognição humana.

3 – Argumento do Terceiro Homem

Outra crítica ao Estruturalismo Ante-rem vem de Aristóteles, com o argumento do terceiro homem, ma crítica do Aristóteles, originalmente direcionada à teoria platônica das formas. Platão pensava que para cada “classe” de objetos, como cães, compartilham a mesmo “essência” do que os torna propriamente “cães” e não “gatos”, esta ideia de “cão” que não é “gato”, está acima dessa classe de objetos chamada de cães, ou seja, o conjunto de todos os cães em existência, refere-se à uma ideia única da “cão” que está no mundo das ideias, esta ideia é o “cão ideal”, ou seja, a referencia máxima de todos os cães que existem, sem o “cão ideal”, não haveria a classe conhecida como “cães” no nosso mundo. Mas pense por um instante, se para cada classe de objetos existe uma ideia superior a ela, então isso significaria que existe um “cão ideal ideal” e assim sucessivamente?

Se toda teoria matemática, é uma teoria de uma estrutura de relações, e, por exemplo “1+1=2” e “I+I=II” referem-se aos mesmos lugares abstratos, ou seja, se para o estruturalista, “1” e “I” se referem ao mesmo “número um ideal”, de onde vem este “número um ideal”? De outro “número um ideal” que é mais “ideal” ainda que dá a essência desse “número um ideal”? Vendo por este ponto, a ideia de que expressões matemáticas referem-se à estas estruturas abstratas, parece ainda menos provável.

4 – Argumento da Não-Unicidade (reformulado)

Mark Balaguer, em seu livro, argumenta imediatamente contra a resposta estruturalista ao Problema da Não-Unicidade (daqui em diante referido como PNU), ele reformula PNU da seguinte maneira:

1´.Se existem quaisquer partes do universo matemático que satisfaz os axiomas da Aritmética de Peano (PA), então existe um número infinito de tais partes.

2´.Não existe nada “metafisicamente especial” a respeito destas partes que existem dentro do universo matemático que as façam se destacar como a sequencia de números naturais (ou posições números-naturais ou o que quer que seja)

Portanto

3´.Não existe nenhuma parte única do universo matemático que é a sequencia de números naturais (ou posições números-naturais ou que quer que seja).

Mas

4´.O Platonismo implica que existe uma parte única do universo matemático que é a sequencia de números naturais (ou posições números-naturais ou que quer que seja).

Então

5´.O Platonismo é falso.

Então, diz Balaguer, os platonistas não podem resolver este problema assumindo o estruturalismo como alternativa platônica, pois se abandonarem a unicidade, então o estruturalismo deixaria de ser platônico (o que é possível, mas estou aqui realizando uma crítica justamente ao estruturalismo platônico, como é o ante rem).

Diz Balaguer, para que o estruturalismo pudesse responder a esta questão, então isso deveria significar que existe um argumento contra 2´ (que não existe nenhuma estrutura em especial que seja mais plausível do que outras) que os platonistas que defendem números como objetos, não possam fazer.

Seria isso mesmo? Os estruturalistas afirmam, afinal, que os números fazem referencia à lugares dentro de uma estrutura abstrata que existe no mundo como elemento intrínseco a ele, e para mim aí que estaria o grande problema, se nenhuma estrutura em especial dentro da “superestrutura” matemática representa os números naturais, isso deveria significar que quando eu escrevo o número “1” num papel, eu não faço referencia a apenas um lugar de uma estrutura específica, e pior, nenhuma dessas estruturas seriam mais “especiais” que outras, ou seja, não existia uma única estrutura que fosse A estrutura essencial da aritmética, logo, isso desmontaria o caráter platônico ,e pior, realista do estruturalismo ante-rem.

Balaguer afirma que é improvável (o que não que dizer impossível), que os estruturalistas tem a tal “bala de prata”, pelo mesmo motivo que os defensores dos números como objetos não tem: como as estruturas existem independente de nós, num universo matemático abstrato, parece muito provável que existam mais de uma estrutura que satisfaça FCNN (Full Conception of Natural Numbers), e que diferem somente de formas que mentes humanas nunca imaginaram.

Para entender o argumento, é necessário explicar o que o autor chama de FCNN. FCNN, de acordo com Balaguer, é que nós temos crenças a respeito dos números naturais, que não são capturados por PA, por exemplo, dizer “números não tem cor”, ou seja, entende-se em qualquer concepção de número, que “cor” não faz parte dos atributos que se pode inferir de um número qualquer. Ou seja, quando ele diz que existem varias estruturas que satisfaça FCNN, ele quer dizer que estas estruturas contém estas crenças de que números são “não-vivos”.

Os Estruturalistas poderiam contra-argumentar afirmando:

A. Existe apenas uma estrutura – ou sequencia de posições – que satisfaz FCNN.

Ou “quaisquer estruturas que são estruturalmente equivalentes são isomórficas (mesma ‘forma’), são idênticos um com o outro. Mas e seguro afirmar que quaisquer duas estruturas que satisfaçam FCNN são isomórficas umas com as outras, ou seja, FCNN é categórico, que modelos não-padrão de aritmética não satisfazem FCNN. Portanto, parece ser que existe somente uma estrutura que satisfaz FCNN”

Este argumento me diz que, porque qualquer estrutura aritmética “padrão” (que pode ser usada) satisfaz FCNN, logo, estas são isomórficas ou seja, idênticas, seria o mesmo que afirmar que são a mesma estrutura no que se refere a satisfazer FCNN.

Balaguer contra-argumenta dizendo que se os estruturalistas aceitarem esta tese (de que duas estruturas isomórficas são idênticas), eles também deverão aceitar a seguinte tese:

S.Não há nada mais numa estrutura do que a relação entre seus lugares; isto é, posições não tem nenhuma propriedades que não estas que tem em virtude das relações que eles tem com outras posições nas estruturas.

Mas ora, isso é um problema, pois, para Balaguer, S é inalcançável e implica em contradição. Mas porque isso é um problema? E porque ele diz que S é consequência direta de A?

Para explicar, devemos parar e refletir em S, felizmente, Balaguer escreveu sobre isso no mesmo livro, no capítulo 1, subseção 2.1, nesta seção explica qual platonismo ele defende em seu livro, o Full Blooded Platonism, sua explicação não é de muito interesse neste momento, mas para que possamos entender a crítica ao estruturalismo aqui, devemos entende-la pelo menos parcialmente.

FBP é a visão de que todo e qualquer objeto matemático (logicamente) possível, existe de fato, nas palavras de J.C. Beall:

Toda teoria matemática consistente descreve verdadeiramente alguma parte do universo matemático.

Falando em estruturalismo, ele coloca-o em contraposição ao platonismo objectal, se o estruturalismo pensa na matemática como uma estrutura abstrata onde encontram-se lugares que dão significado a simbologias matemáticas que a fazem referencia, o platonismo objectal afirma que a matemática é composta de objetos próprios que existem num “abstrato platônico”, e que tem propriedades que explicariam porque podemos realizar operações matemáticas.

Como visto anteriormente, para Balaguer a visão objectal não responderia de maneira melhor à Benacerraf. Pior, não estaria claro se o estruturalismo é distinto do platonismo objectal de uma maneira importante, pois “posições” dentro de estruturas poderia ser muito bem interpretada como “objetos”.

Para melhor entendimento do que ele quer dizer aqui, gostaria de explicar brevemente o que se pode entender por “objeto”.

Quando se pergunta “qual a natureza dos objetos matemáticos?”, você está perguntando na verdade “qual é a ontologia da matemática?”. Quando falamos em objetos matemáticos de maneira geral, queremos falar de entidades abstratas, por exemplo, o que acontece quando realizamos a operação aritmética básica “1+2=3”, são dois objetos matemáticos distintos conectados por uma relação de soma, que dá um terceiro resultado; os que defendem números como objetos dizem que os símbolos “1” e “2” fazem referencia a objetos distintos cujas propriedades intrinsecas, quando somadas, necessariamente resulta nas propriedades intrínsecas do objetos referente ao simbolo “3”, para o platonista, estes objetos são reais, acausais, atemporais e a-espaciais; Como explicado anteriormente, o estruturalista vê esta operação como relações de “lugares” dentro de uma estrutura, mas que estes lugares só ganham significado quando relacionados uns com os outros, os objectualistas vêem os objetos como tendo significado próprio .

Balaguer critica esta posição (de que lugares em estruturas não tem significado intrínseco), porque, de acordo com ele, nós poderíamos concordar que números são “não-vivos” ou “não-espaçotemporal” (este ponto foi tocado anteriormente como sendo o FCNN), outra objeção seria à definição de que as propriedades dos lugares nas estruturas não são realmente importantes, mas, diz Balaguer, isso também não diz nada que o separe dos objetualistas.

Voltando o ao problema da Não-Unicidade, sem o argumento S, para Balaguer, não é possível para o estruturalista, responder ao problema de Benacerraf, pois se S for falso, então seria possível que é possível que estruturas diferenciem-se de maneira não estrutural então e seria possível que duas estruturas isomórficas sejam diferentes. Ou seja, 2 estruturas podem satisfazer FCNN e ainda serem diferentes.

Neste ponto gostaria de dizer que talvez esta critica não seja ideal, pois o que os estruturalistas dizem é “Qualquer duas estruturas que satisfaçam FCNN, são essencialmente iguais”, FCNN, na minha opinião, poderia incluir sem muitos problemas, tudo aquilo ainda não pensamos a respeito dos números, não só o fato de ser “não-vivo” ou “não-vermelho”, mas toda e qualquer definição que números possam ter que nãos e encaixa na Aritmética de Peano.

Em conclusão, não acho que possa-se encerrar o estruturalismo esta critica especifica, mas ela dá bons indícios de possíveis falhas na sua conceitualização teórica.

5 – A questão da aplicabilidade da matemática

Se ainda não fosse o suficiente, ainda existe outro problema para o projeto estruturalista, o problema que chamo de “problema da aplicabilidade”, eu me referi brevemente à aplicabilidade anteriormente, o problema segue desta maneira, todo físico que se preze, tem grande conhecimento matemático, conceitos como integrais, derivadas e vetores são de conhecimento básico de todo cientista, não obstante, apesar de podermos modelar a ciência através da matemática, nós não sabemos o porque da matemática poder ser utilizada nas ciências naturais.

Houveram muitas respostas para esta pergunta, Eugene Wigner, em seu artigo “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”, argumenta que o fato da matemática ser efetivamente funcional no nosso entendimento do mundo, ainda não existe uma resposta para a pergunta a respeito do porque isso acontece.

Estruturalistas poderiam argumentar que na verdade, essa aplicabilidade seria de fato uma grande prova de que a matemática existe no mundo tal como um código fonte existe por trás de um software (apesar desta analogia ser imperfeita em muitos aspectos), a matemática, nesse sentido seria uma coleção recursivamente infinita de objetos e conectivos, ou seja, a estrutura matemática seria finita, mas sem com o potencial de ser infinita através de repetidas recursões, dentro desta metafísica, a matemática é aquilo que organiza, limita e dá sentido às leis da natureza. È possível até mesmo extrapolar esta ideia para as ciências e dizer que as leis científicas são, de fato, lugares em estruturas abstratas que existem de fato no mundo.

Para rebater este ponto, eu argumento que existe uma barreira cognitiva entre o matemático (e a matemática) e o mundo físico, a física em sí, lida com grandes incertezas, como por exemplo a impossibilidade de realizar medições absolutamente perfeitas de qualquer coisa, exemplo, um engenheiro de materiais que deseja realizar uma medição de peso de um bloco de concreto, está ciente que toda medição envolve variáveis incontroláveis e que interferem na medição do objeto, ou seja, obter um número exato para certas coisas é impossível.

Isso para mim indica que existe uma barreira do quanto se pode fazer com matemática apenas. Um estruturalista porém, poderia me rebater argumentando que não é porque não podemos medir uma determinada coisa, não significa que não exista uma medição definida para dada coisa.

Por exemplo, imagine que você está conversando com algum amigo seu pelo facebook, e ele te pergunta se ele está bebendo algo, depois te pergunta o que ele está bebendo, se ele está gostando da bebida, e quanto ele pagou por ela. Você responde, obviamente, que não tem como saber, pois não está lá para ver o que ele está bebendo, nem sabe qual o sabor dela, nem o preço nem nada a respeito da bebida, nem mesmo que seu amigo está bebendo algo de fato, pois você não tem acesso à este conhecimento. O que importa não é se ele está bebendo ou não, o que importa é que cada uma dessas perguntas tem uma resposta definida, mesmo que não seja possível para quem está sendo perguntado responde-las.

Isso implicaria que existe uma resposta “correta” para toda pergunta que faça sentido, e é ai que está meu problema com este argumento, voltando à Kant, com o você pode ter certeza que qualquer medição, aproxima-se daquilo que realmente é?

Veja, o que é uma medição senão uma comparação de um atributo de um objeto comparado a uma referência, por exemplo, digamos que no exemplo o engenheiro de materiais usa um instrumento de alta precisão para medir o bloco de concreto, o que este instrumento faz é medir a “pressão” (apesar desta palavra estar tecnicamente incorreta) do bloco sobre a superfície da balança em relação à pressão exercida por uma referencia no instituto de pesos e medidas, comparando os dois valores obtidos, é possível calculo, através de uma regra de 3 simples, o peso do bloco que o engenheiro deseja pesar, assim ele obtêm um resultado, um valor.

A matemática (não o matemático) deveria então, ter um acesso especial ao mundo, mesmo levando em consideração TODOS os fatores que poderia interferir na determinação de um atributo medível qualquer, isso seria um problema daquele que mede, não daquilo que é medido. Isso me soa estranho, mesmo se eu considerar que “existe” uma resposta, isso não responde ao problema que Kant apresenta, ou seja, se é possível que a “coisa em sí” não nos seja acessível, então é possível que qualquer medição feita não corresponde com a realidade dos fatos, digamos que o tal bloco de concreto é na verdade 10 vezes mais pesado que aquilo que podemos medir.

Agora, é verdade que isso apenas indicaria que existe uma barreira cognitiva entre o matemático e as ciências, não necessariamente entre a matemática em si e as ciências, pois é perfeitamente plausível que algo seja inacessível ao humano matemático, mas como de acordo com os estruturalistas, a matemática é uma entidade abstrata a priori da realidade, então não é possível descartar aí o estruturalismo como ontologia, não obstante, esta critica é um problema sério especialmente para uma possível epistemologia estruturalista.

6 – Conclusões:

Gostaria de deixar mais uma vez claro que este texto objetiva uma busca de pistas para possíveis problemas com o Estruturalismo Ante-Rem, não declaro aqui um fim para o estruturalismo, mas indicar perguntas cujas respostas não estão, ainda, claras.

Como visto durante este artigo, o Estruturalismo surgiu como uma resposta ao desafio epistemológico de Benacerraf (1973) ao platonismo, originalmente direcionada ao platonismo intuitivo de Kurt Gödel, o argumento segue:

O platonismo afirma que objetos abstratos são não-espaçotemporais e acausais, mas a teoria epistemológica afirma que para se obter conhecimento de algo, devemos primeiro interagir causalmente com eles, como poderíamos obter conhecimento destes objetos abstratos?

Eu apresentei aqui 4 argumentos que podem enfraquecer a tese Estruturalista, a primeira refere-se ao problema proposto por Immanuel Kant em sua Crítica da Razão Pura, o problema decorre do fato de que existe ma barreira epistemológica entre o humano, o observador, e o observável, não podemos mais garantir que as aparências do mundo fenomênico sequer faz referencia ao mundo dos números, ou seja, o mundo da coisa-em-si (ou se quiser traçar um contexto platônico o mundo das ideias). Isso apresenta-se como um desafio para qualquer concepção realista de mundo na filosofia e não pode ser ignorado e colocado de lado por mera conveniência.

Em seguida, utilizei-me de Aristóteles com o Argumento do Terceiro Homem, para argumentar contra a ideia de “lugares nas estruturas”, mas admito que ainda seria necessária uma tentativa mais contundente para que atinja de fato o estruturalismo, como está agora, é apenas um indicativo de um possível problema.

Na seção seguinte está o corpo da crítica que desejo fazer, o fato do desafio lançado por Benacerraf, de é que é possível definir a sequencia de números naturais de diversas maneiras usando teoria dos conjuntos, como por exemplo nesta formalização feita por ele para a sequência dos números naturais*:

I:

0

=

1

=

{∅}

2

=

{{∅}}

3

=

{{{∅}}}

II:

0

=

1

=

{∅}

2

=

{∅, { ∅}}

3

=

{∅, {∅}, {∅, {∅}}}

O desafio é: qual dessas duas formulações é “melhor” que todas as outras?

O estruturalista, como vimos anteriormente, não tem uma boa resposta para isso ainda, visto que a tentativa de “singularizar” todas as estruturas possíveis que satisfaçam a Aritmética de Peano e FNCC não é satisfatória. Esta foi a seção que explorei mas a fundo o problema e que pode ser mais útil para indicar um problema estabelecido na crítica do estruturalismo.

Na ultima seção, porém, explorei outro problema, que está indiretamente conectado com o problema kantiano, explorei aqui como é possível, por exemplo, que nós tenhamos acesso a pedaços da realidade, sem tem acesso total à ela, indiquei aqui um problema de aplicabilidade na filosofia da matemática nas ciências naturais, e porque o acesso do matemático à tudo que a matemática poderia oferecer, é necessariamente limitado por nossas faculdades cognitivas, esta seção apresenta, na minha opinião um problema sério na epistemologia do platonismo, mas a nível ontológico, é possível responde-lo, tornando essa crítica, apenas uma parcial, então para o ante-rem, pode não ser um problema tão difícil assim.

Visto essas críticas pontuais que citei, acho que é possível pelo menos duvidar do estruturalismo como resposta na filosofia da matemática, sei que ignoro muitos aspectos importantes, a maioria por culpa da minha própria ignorância, mas pelo que pude perceber lendo sobre o assunto, é que, apesar da popularidade, o estruturalismo ante tem falhas que precisam ser resolvidas antes que se possa afirma-la como uma boa alternativa para o problema da fundação.

Bibliografia

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Platão,The Dialogues of Plato translated into English with Analyses and Introductions by B. Jowett, M.A. in Five Volumes.3rd edition revised and corrected (Oxford University Press, 1892)

Pedro Torres

Pedro Torres

Eu sou um recifense, mas atualmente resido em João Pessoa, PB, onde estou fazendo minha graduação em Filosofia pela UFPB, meus principais interesses são as areas de Filosofia da Matemática e da Lógica, Filosofia da Linguagem, Filosofia da Mente, Filosofia da Mente, Ontologia e Epistemologia (subdivisões da Metafísica). Eu também me interesso por história, música e ciência.