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Alguém precisa ser um gênio para fazer matemática?

Artigo original do matemático Terence Tao

É melhor estar ciente de noções como gênios e inspiração; elas são meio que uma varinha mágica e deveriam ser usadas com moderação por qualquer um que deseja ver as coisas claramente

José Ortega y Gasset, “Notes on the novel”

Alguém precisa ser um gênio para fazer matemática?

A resposta é um enfático NÃO. Em ordem de fazer boas e úteis contribuições para matemática, alguém precisa de trabalho duro, aprender sobre seu campo, aprender sobre outros campos e ferramentas, fazer perguntas, conversar com outros matemáticas, e pensar sobre a “figura geral”. E sim, uma quantidade razoável de inteligência, paciência, e maturidade são também necessárias. Mas uma pessoa não precisa de um mágico tipo de “gene dos gênios” que do nada (ex nihilo) gera espontaneamente uma profunda compreensão, soluções inesperadas para problemas ou outra habilidade supernatural.

A imagem popular do solitário (e possivelmente um pouco louco) gênio – que ignora a literatura, e outras sabedorias populares, e através de uma inspiração inexplicável (melhorada, talvez, por uma dose de sofrimento) da um jeito de criar impressionantes soluções originais para problemas que confundem todos os especialistas – é uma charmosa e romântica imagem, mas também é profundamente imprecisa, ao menos no mundo da matemática moderna. Nós, de fato, temos espetaculares, profundas e notáveis resultados e compreensões nesses assuntos, claro, mas eles são a custosas e cumulativas conquistas dos anos, décadas, ou até mesmo séculos de trabalho regular e progresso de muitos bons e excelentes matemáticos; o avanço de um estágio de conhecimento para o próximo pode ser altamente não-trivial, e as vezes bastante inesperado, mas ainda construído em cima das fundações de trabalhos anteriores ao invés de começarmos totalmente do zero. (Esse, por instância, é o caso com Wiles e o último teorema de Fermat, ou trabalho de Perelman na Conjectura de Poincaré).

Na verdade, eu acho a realidade da pesquisa matemática hoje – na qual o progresso é natural e cumulativo como consequência de trabalho duro, dirigido por intuição, literatura e um pouco de sorte – bem mais satisfatório do que a romântica imagem que eu tinha como um estudante da matemática sendo avançada primariamente por misticas inspirações de alguma rara raça de “gênios”. Esse “culto do gênio” de fato causa um número de problemas, já que ninguém é capaz de produzir essas (muito raras) inspirações de qualquer forma regular, e com consistência confiável e correta. (E se alguém diz fazer assim, eu aviso para você ser muito cético sobre isso.) A pressão para tentar se comportar nessa maneira impossível pode fazer alguns se tornarem obsessivos com “grande problemas” ou “grandes teorias”, outro a perder um saudável ceticismo com seu trabalho ou com suas ferramentas, e outros ainda podem ficar muito desencorajados para continuar trabalhando com matemática. Além disso, atribuir sucesso a talento inato (além do alcance da pessoa) ao invés de esforço, planejamento, e educação (que estão dentro do controle) pode também levar a outros problemas.

Claro, mesmo que alguém dispense a noção de gênio, ainda é o caso de que em qualquer ponto no tempo, alguns matemáticos são mais rápidos, experientes, conhecedores, eficientes, cuidadosos, ou criativos que outros. Isso não implica que apenas os “melhores” matemáticos deveriam fazer matemática; esse é o erro comum de confundir vantagem absoluta por vantagem comparativa. O número de áreas de pesquisa matemáticas interessantes e problemas para se trabalhão é vasta – muito mais vasta do que se poderia cobrir em detalhe apenas pelos “melhores” – e as vezes o conjunto de ferramentas e ideias que você tem vão encontrar algo que outros bons matemáticos vão ter negligenciado, especialmente dado que até os maiores matemáticas ainda tem fraquezas em certos aspectos da pesquisa matemática. Enquanto você tenha educação, interesse, e uma quantidade razoável de talento , haverá alguma parte da matemática na qual você poderá fazer contribuições frutíferas e sólidas. Pode não ser a parte mais glamourosa da matemática, mas a verdade é que tende a ser a coisa saudável; em muitos casos “o feijão e arroz” da teoria se mostram mais importante do que qualquer aplicação chiques. Também é necessário “se aquecer” com as partes não-glamourosas do campos antes de ter uma chance real de atacar os problemas famosos da área; olhe as primeiras publicações dos grandes matemáticos de hoje para ver o que eu digo por isso.

Em alguns casos, uma abundância de talento puro pode terminar (de forma perversa) a ser na verdade prejudicial para o desenvolvimento matemático de longo termo; se a solução para problemas vem muito fácil, por instância, alguém pode não por tanta energia em trabalhar duro, fazer perguntas burras, ou ampliar seu alcance, podendo eventualmente causar estagnação de suas habilidades. Além disso, se alguém está acostumado com sucesso fácil, a pessoa talvez não desenvolva a paciência necessária para lidar com problemas verdadeiramente difíceis. Talento é importante, claro; mas como alguém desenvolve e  nutre ele é ainda mais.

É bom também lembrar que matemática profissional não é um esporte (em grande contraste com competições matemáticas). O objetivo na matemática não é obter o rank mais alto, a maior pontuação, ou o maior número de prêmios e recompensas; ao invés, é aumentar o entendimento de matemática (tanto seu, quanto do seus colegas e estudantes), e contribuir para o seu desenvolvimento e aplicação. Para essas tarefas, matemática precisa de todas as boas pessoas que conseguir.

Nota:

O artigo original tem links para vários outros textos do blog pessoa do Terece Tao que não foram colocados aqui.

Greg de Souza

Greg de Souza

Cético, Racionalista, Humanista e Adorador de Monty Python, ocupa-se pensando piadas ruins, passa o tempo livre cursando física. Acredita que 0 deve ser um número natural e que o mundo seria um lugar melhor caso o mundo fosse um lugar melhor.