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A Verdadeira Neurociência da Criatividade

Original por Scott Barry Kaufman

Então sim, você sabe como o lado esquerdo do cérebro é mesmo realista, analítico, prático, organizado e lógico, e o lado direito do cérebro é tão criativo, apaixonado, sensual, saboroso, colorido, vivido e poético?

Não.

Apenas não.

Pare.

Por favor.

Dedicados neurocientistas, tais como Anna Abraham, Mark Beeman, Adam Bristol, Kalina Christoff, Andreas Fink, Jeremy Gray, Adam Green, Rex Jung, John Kounios, Hikaru Takeuchi, Oshin Vartanian, Darya Zabelina e outros, estão no fronte das investigações sobre o que de fato acontece no cérebro durante o processo criativo. E suas descobertas estão capotando noções convencionais e simplistas que cercam a neurociência da criatividade.

As últimas descobertas de verdadeiros neurocientistas da criatividade sugerem que as distinções entre os hemisférios esquerdo/direito do cérebro* não nos oferecem uma imagem completa de como a criatividade é implementada no cérebro. Criatividade não envolve uma única região ou um único lado do cérebro.

Ao invés, o processo criativo completo – da preparação para incubação para iluminação para verificação – consiste de vários processos cognitivos interativos (tanto conscientes quanto inconscientes) e emoções. Dependendo do estágio do processo criativo, e do que você está de fato tentando criar, diferentes regiões dos cérebros são recrutadas para lidar com a tarefa.

Importantemente, várias dessas regiões do cérebro trabalham como um time para realizar o trabalho, e vários recrutam estruturas de ambos os lados do cérebro. Nos últimos anos, evidência foi acumulada sugerindo que “cognição resulta de interações dinâmicas de áreas cerebrais distribuídas operando em redes de grande escala.”

Dependendo da tarefa, diferentes áreas do cérebro serão recrutadas.

Por instância, toda vez que você presta atenção no mundo externo, ou tenta rodar mentalmente rotacionar uma imagem na sua mente (i.e., tentar descobrir como encaixar bagagem no porta malas do seu carro), a Rede  Atentiva/ Visuo-Espacial Dorsal está provavelmente ativa. Essa rede envolve comunicação entre os campos de visão frontal e o sulco intraparietal:

A Rede Visuo-Espacial Drosal
A Rede Visuo-Espacial Dorsal

Se a sua tarefa exige maiores demandas da linguagem, então, a Área de Broca e a Área de Wernicke são mais prováveis de serem recrutadas:

A Rede da Linguagem
A Rede da Linguagem

Mas sobre cognição criativa? Três redes cerebrais de grande escala são críticas para entender a neurociência da criatividade. Vamos rever elas aqui.

Rede 1: A Rede da Atenção Executiva

A rede da atenção executiva é recrutada quando a tarefa exige que o holofote da atenção esteja focado como um raio laser. Essa rede é ativa quando você está se concentrando numa palestra/aula desafiadora, ou engajando resolver problemas complexos e raciocínio ou que coloca grande demandas sobre a memória.  Essa arquitetura neural envolve comunicação eficiente e confiável entre regiões laterais (exteriores) do córtex pré-frontal e áreas para o fundo (posteriores) do lobo parietal.

Rede 2: A Rede da Imaginação

De acordo com Randy Buckner e Colegas, a Rede em Modo Padrão (referido aqui como Rede da Imaginação) está envolvida com “a construção de simulações mentais mecânicas dinâmicas baseadas em experiências passadas tal quais usadas durante lembranças, pensamento sobre o futuro, e geralmente quando imaginando perspectivas ou cenários alternativos para o presente”. A rede da imaginação também   está envolvida em cognição social. Por instância, quando estamos imaginando o que outra pessoa está pensando, essa é a rede neural ativa. A rede da imaginação envolve áreas profundas do córtex pré-frontal e lobos temporais (regiões medianas), juntamente com comunicação com várias outras regiões externas e externas do córtex parietal.

Verde - Rede de Atenção executiva; Vermelho - Rede da Imaginação
Verde – Rede de Atenção executiva; Vermelho – Rede da Imaginação

Rede 3: A Rede da Saliência

A Rede da Saliência monitora constantemente eventos externos, assim como a corrente interna de consciência  e flexivelmente passa o bastão para qual informação for mais saliente para resolver a tarefa em mãos. Essa rede consiste dos Córtex Cingulado Anterior Dorsal [dACC] e anterior insular [AI] e é importante pela dinâmica de trocar entre redes.

A Rede da Saliencia
A Rede da Saliencia

A neurociência da Cognição Criativa: Uma Primeira Aproximação

A chave para entender a neurociência da criatividade não está apenas no conhecimento de redes de grande escala, mas em reconhecer que diferentes padrões de ativação e desativação de atividades neurais são importantes em diferentes estágios do processo criativo. As vezes é útil para as redes neurais trabalharem umas com as outras, e as vezes essa cooperação pode impedir o processo criativo.

Numa recente e grande revisão, Rex Jung e colegas provém uma “primeira aproximação” sobre como cognição criativa talvez se mapeie no cérebro humano. A revisão deles sugere que quando você quer afrouxar suas associações, permita sua mente  vaguear livremente, imagine novas possibilidades e silencie sua critica interna, é bom reduzir a ativação da Rede Executiva de Atenção (um pouco, não completamente) e aumentar a ativação das Redes de Imaginação e Saliência. De fato, uma pesquisa recente em músicos de jazz e rappers se envolvendo em improvisação criativa sugerem que isso é precisamente o que está ocorrendo no cérebro enquanto num estado de fluxo.

Apesar disso, as vezes é importante trazer a Rede de Atenção Executiva de volta, e avalar e implementar criticamente suas ideias criativas.

Ou isso pode acabar acontecendo:

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Um cachorro

Como Jung e seus colegas notam, o modelo deles de estrutura da cognição criativa is apenas a primeira aproximação. A esse ponto, nós só temos pistas na verdadeira neurociência da criatividade. A investigação de processos de larga escala nas redes neurais parece ser uma direção de pesquisa mais promissora do que focar inteiramente nos hemisférios esquerdo e direito; o processo criativo aparenta envolver uma dinâmica ação recíproca dessas redes de larga escala. Também, resultados de pesquisas convergentes sugerem que cognição criativa recrutam regiões do cérebro críticas para “sonhar acordado”, imaginar o futuro, lembrar memórias profundas e pessoais, reflexão interna construtiva, construção significativa e cognição social.

Mesmo assim, muito mais pesquisas são necessárias para investigar como o cérebro cria através de diferente domínios, espécies e escalas de tempo.

É um tempo excitante para neurociência da criatividade, enquanto você jogar fora noções ultrapassadas de como a criatividade funciona. Isso requere abraçar a bagunça do processo criativo e do cérebro com ativações dinâmicas e colaborações entre diferentes cérebros que fazem tudo isso possível.



Notas do autor: Ele sugere o livro “Neuroscience of Creativity”, editado por Oshin Vartanian, Adam S. Bristol e James C. Kaufman (não achei tradução em português).

*Existe algum grão de verdade nessa distinção do lado direito/esquerdo do cérebro. Por instancia, raciocínio espacial recruta mais do lado direito, e processar linguagem recruta mais estruturas no hemisfério esquerdo. Também tem um pesquisa muito interessante conduzida por John Kounios e Mark Beeman mostrando que o momento “Aha!” de inspiração — nos quais participantes descobrem palavras aparentemente não relacionadas – está associada com a ativação do gyrus temporalis anterior superior direito. Nenhuma dessas descobertas, entretanto, nega o fato de que o professo criativo envolve o cérebro todo.

Greg de Souza

Greg de Souza

Cético, Racionalista, Humanista e Adorador de Monty Python, ocupa-se pensando piadas ruins, passa o tempo livre cursando física. Acredita que 0 deve ser um número natural e que o mundo seria um lugar melhor caso o mundo fosse um lugar melhor.