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A falsa ignorância é tão ruim (ou pior) que a ilusão do conhecimento

“O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância; é a ilusão do conhecimento.”

A frase acima é atribuída ao grande Stephen Hawking. E não vou mentir: concordo em gênero, número e grau, tanto que é uma das coisas com os quais eu mais me preocupo no avaliar novas informações, em qualquer circunstância. Mas a ilusão de conhecimento possui uma extremidade oposta, que pode ser tão prejudicial quanto ou até pior, que eu chamarei de “falsa ignorância”.

A “ilusão do conhecimento” a que Hawking se refere não é a ignorância da verdade, como uma pessoa acreditar que algo é X, mas não sabe que algo é Y. A ilusão do conhecimento é a perspectiva onde “sua” verdade é incontestável e deve se sobressair (quer a pessoa o faça consciente ou inconscientemente), mesmo que as evidências apontem para o contrário.

Já a falsa ignorância é um termo que eu acabei de inventar* e se refere a uma ilusão (“auto” ou não) de humildade perante o que não sabemos e a noção de que isso garante que tudo seja passível de ser verdade.

Ambos são absurdamente comuns na vida cotidiana, mas se fazem presentes de forma mais enfática, é claro, na internet, especialmente nos comentários de portais e nas redes sociais (e, curiosamente, em sites e blogs céticos e sobre ciência). A ilusão de conhecimento é detectada muitas vezes em adeptos ferrenhos de ideologias políticas e religiosos fundamentalistas; a falsa ignorância geralmente vem junto com adeptos de diversas pseudociências. Mas estão por aí em todas as cores e sabores.

Antes de mais nada, acho importante deixar algo bem claro: Reconhecer que, frente à toda a vastidão do universo e a complexidade da realidade, o que sabemos é quase equivalente a nada é sábio. Agora, ignorar que, mesmo assim, possuímos um considerável corpo de conhecimento que nos permitiu um nível de credibilidade sólido o bastante para construirmos nossa civilização atual baseada nesse conhecimento é, na falta de um termo melhor, pura estupidez.

Aristóteles definia a justiça como “a justa medida”, ou seja, a capacidade de encontrar o “caminho do meio”, o equilíbrio, ao invés de se perder nos extremos. E, embora não seja do meu feitio ficar citando Filósofos à torto e à direito, a justa medida do Filósofo Grego nos ajuda a compreender por que a ilusão do conhecimento e a falsa ignorância são extremos opostos – e perigosos – quando da aquisição de novos conhecimentos.

Quando acreditamos que deter o conhecimento é mais válido do que confiar nas evidências, corremos o grave risco de agirmos baseado numa informação falsa, e isso pode ser extremamente prejudicial (provavelmente isso já aconteceu ao menos uma vez em sua vida), especialmente se você não está disposto a mudar de ideia.

Mas acreditar que não sabemos nada e que, portanto, tudo é válido, é pior, por que você estará disposto a acreditar em virtualmente qualquer coisa e será alvo fácil de charlatães e pessoas de má índole que, na melhor das hipóteses, só vão querer o seu dinheiro (e, na pior, podem convencê-lo a fazer coisas que irão matá-lo). Acreditar numa informação falsa não é brincadeira quando se deixa um filho morrer por acreditar em curas alternativas, por exemplo.

A ilusão de conhecimento é arrogante, mas a falsa ignorância é covarde.

O primeiro apela para o nosso ego: afinal, a grande maioria das pessoas quer possuir algum conhecimento que as torne “superior” em algum sentido, e que conhecimento é melhor do que aquele que muitos contestam, mas caso se prove verdadeiro vai garantir a você um grande “eu sabia! Eu sabia esse tempo todo!”?

Já no segundo caso você apenas não quer se comprometer. É muito mais fácil se isentar responsabilidade de defender um ponto do que defender algo e, mais tarde descobrir que está errado. É mais fácil alegar que as pessoas é que são “mentes fechadas” a reconhecer que você simplesmente não quer assumir uma posição: pior: não quer assumir a responsabilidade de, eventualmente, ter que mudar de opinião. No fim das contas, não passa de uma fraqueza intelectual travestida de humildade.

Apesar de opostos, a ilusão do conhecimento e a falsa ignorância possuem algo em comum: É um caminho fácil. Com tanta informação hoje em dia, é cada vez mais difícil saber no que confiar. E ser intelectualmente justo consigo mesmo – e com os outros – requer analisar caso a caso, sem fórmulas prontas, sem técnicas infalíveis. É um árduo trabalho que, por melhor que você nisso, nunca garantirá 100% de eficácia.

Encontrar a justa medida na busca por conhecimento é uma tarefa constante, que inclui estar sempre atento e nunca relaxar. Não é algo fácil. E por vezes você vai estar enganado, terá que mudar de opinião e talvez até se retratar.

Ser intelectualmente justo é dar a cara pra bater. Por isso é mais fácil escolher um dos extremos. A ilusão de conhecimento te dá sensação de segurança; a falsa ignorância te isenta da responsabilidade sobre o que diz.

É claro que ninguém precisa “ter um lado” em cada discussão ou opinião sobre cada nova informação que surge (isso por vezes acarreta outro problema que não cabe debater aqui). Ficar em cima do muro por falta de informação ou de aprofundamento na questão é, de fato, muito prudente. Mas ficar em cima do muro por opção é pura covardia.

P.S.:
– Este texto é o que se costuma chamar de ensaio, ou seja, é um texto mais livre e, obviamente, possui opiniões próprias do autor.
– Eu sei que vai ter gente tentando forçar a barra para dizer que o texto é um exemplo de “ilusão de sabedoria”, mas há duas diferenças fundamentais:
a) é um texto opinativo e, portanto, válido como tal (e também sujeito a críticas, é óbvio). Expor sua opinião não é sinal de arrogância ou soberba; manter sua opinião mesmo quando as evidências o contradizem é; e
b) Se por ventura eu transmiti alguma informação incorreta no texto, não terei problemas em me retratar e, se preciso, mudar de opinião por conta disso.

*Pode até ser que esse termo seja usado, mas for, é por pura coincidência e não está relacionada à concepção que eu dei ao termo aqui no texto.

Rafael Rodrigues

Rafael Rodrigues

Rafael Rodrigues é redator publicitário, roteirista de quadrinhos e divulgador científico. Formado em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina, escreve sobre terror, quadrinhos, filosofia e ciência para sites diversos. Seus assuntos favoritos são Filosofia da Ciência, Filosofia da Mente, História da Ciência, Neurociência, Genética e Evolução. Interessa-se pelo passado, pelo presente e pelo futuro.