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A cor do meteoro e a composição química – fatos e mitos

Ultimamente, vem circulando em blogs e redes sociais uma imagem pretende explicar de maneira simples e direta a composição dos meteoros a partir de sua cor:

A Cor do Meteoro

A imagem geralmente acompanha uma pequena explicação que fala que se trata de uma simplificação do que realmente pode ser observado, mas que de maneira geral é possível ligar a cor do meteoro com a sua composição devido ao chamado espectro de emissão dos elementos contidos no material que atravessa a atmosfera. Devido ao grande compartilhamento e diferentes fontes de origem que publicaram a imagem, essa explicação pode variar de língua e conteúdo.

O intuito da imagem é divulgar uma informação interessante e é condizente com o que conhecemos cientificamente. O intuito é legal e simples, porém as simplificações são tão grandes e grosseiras que se formos avaliar realmente como uma imagem de divulgação científica, podemos dizer que nela estão contidas informações erradas. Pode parecer preciosismo, mas não adianta querer ser divulgador científico e acabar espalhando informações erradas por ai. Vamos explicar passo a passo e com calma.

Bom, cada cor representa uma onda de luz com um determinado comprimento. A luz branca é uma luz composta por todos os comprimentos de onda da luz visível. Se separarmos as diferentes cores (comprimentos de onda) da luz temos o chamado espectro desta luz. Essa separação pode ser feita com o uso, por exemplo, de um prisma ou uma grade de difração.

Ao se excitar os átomos de certa substância química, podemos fazer com que ela brilhe emitindo uma luz com diferentes comprimentos de onda, a partir do qual podemos separar seu espectro. Essa emissão de luz ocorre porque damos energia aos átomos fazendo com que os elétrons das camadas atômicas mais externas sejam capazes de migrar para camadas mais energéticas na nuvem eletrônica. Ao retornar, eles emitem fótons (luz) com uma quantidade de energia fixa para cada transição possível. Como os níveis de energia são quantizados, cada transição é responsável pela emissão de um determinado comprimento de luz. Assim, é possível separar os diversos comprimentos de luz emitidos em forma do espectro, o chamado espectro de emissão, sendo possível identificar os comprimentos emitidos e não emitidos pela determinada substância.

Uma forma de se avaliar o espectro de emissão de uma substância é o chamado ensaio ou teste de chama, onde uma amostra de uma substância é colocada em uma chama, podendo-se observar a mudança da cor dessa chama devido às emissões na região do visível dos átomos excitados da amostra. Se for colocada uma amostra de um sal de sódio nessa chama, por exemplo, a mesma ficará com uma cor amarela.

Cobre, Lítio e SódioVoltando ao meteoro, durante a passagem da rocha pela atmosfera, o calor e energia liberados excitam os átomos das substâncias que compõe a amostra e eles irão emitir luz nos comprimentos de onda de acordo com o espectro de emissão dos mesmos. Assim, é de se esperar que uma rocha que contem sódio, ao se aquecer na atmosfera, emitirá uma luz amarela, igual a chama do teste de chama de sódio, como é mostrado lá na figura inicial do texto, certo?

Bom, essa é a parte que a simplificação acaba sendo grosseira, pois nos mundo real, vários outros fatores vão influenciar também a cor emitida pelo meteoro. Entre eles, os dois mais importantes são:

1. Mistura de elementos

Um meteoroide (material que, ao adentrar a atmosfera forma o meteoro), pode conter diversos minerais, como olivinas com diferentes teores de magnésio e ferro, feldspatos e materiais refratários ricos em cálcio e alumínio, flocos de ferro e níquel metálicos, minerais ricos em carbono e etc… Ou seja, dificilmente há uma preponderância de um único elemento na amostra para que o espectro de emissão dos vapores do meteoro tenha uma cor definida. Visualmente essa mistura de espectros faria com que o olho humano percebesse a luz como de cor branca.

2. Emissões da atmosfera

No artigo publicado por Stenbaek-Nielsen e Jenniskens (2004), eles analisam um caso real de um meteoro e mostram que um fragmento de aproximadamente 1 g produziu um meteoro cuja zona de brilho frontal (formada pelo brilho gerado diretamente na frente de choque formada pela compressão adiabática do ar na frente do material rochoso) que possuía mais de 100 m de diâmetro. Eles estimam também que o vapor produzido pelo aquecimento de toda a rocha teria no máximo 19 cm. Ou seja, a grande parte do gás emitindo luz é o gás aquecido da própria atmosfera! Normalmente as cores observadas no meteoro são: vermelho, verde e azul, que são as principais cores também vistas nas auroras boreais (além do branco, que é a combinação de todas as cores). Isso ocorre, pois os elementos envolvidos são os mesmos, principalmente o oxigênio atômico, o nitrogênio molecular e o nitrogênio molecular ionizado.

Então quer dizer que toda a cor produzida pelo meteoro vem da atmosfera e não há como inferir a composição do meteoro? É possível sim se inferir a composição de um meteoro pela cor, mas não é tão simples como simplesmente observá-lo a olho nu. Se obtivermos o espectro de um meteoro é possível separar as linhas de emissão dos gases da atmosfera dos gases produzidos pela vaporização da rocha. Estudos cada vez mais avançados tem permitido retirar com mais facilidade as linhas de emissão da atmosfera permitindo que seja possível observar apenas as linhas de emissão dos elementos da rocha. Assim, é possível inferir os elementos que ajudaram a compô-lo, como ferro, magnésio, cálcio, sódio entre outros, pelas linhas específicas de emissão dos mesmos. Algo assim é impossível de se fazer apenas observando o meteoro diretamente.

Conclusão

Observar meteoros é algo muito divertido e a visão pode ser memorável dependendo da generosidade da natureza, porém estimar a composição do meteoro pela cor é praticamente impossível a não ser que você tenha equipamentos adequados para tal. A cor dos meteoros vem da mistura da emissão dos diversos elementos que ele possui, em quantidades que variam de meteoro para meteoro, e, majoritariamente, dos gases que compõe a atmosfera na região na qual o meteoro brilha. Ainda que as cores observadas sejam condizentes com as apresentadas na imagem inicial desse texto, o que vemos principalmente são as mesmas cores vistas nas auroras boreais, então o que você conseguiria fazer é estimar a composição da nossa própria atmosfera.

Referência

  • STENBAEK-NIELSEN, H. C., JENNISKENS, P. A “shocking” Leonid meteor at 1000 fps. Advances in Space Research 33, p. 1459-1465. 2004.
Gabriel Gonçalves

Gabriel Gonçalves

Doutorando pelo IQ-USP em Astrobiologia e Meteorítica; mestre em Engenharia Química pela UFSCar na área de Engenharia Bioquímica; graduado em Engenharia Química na UFSCar.